Agora apoiada pelo governo, CPI do 8 de Janeiro representa teste de fogo para Lula no Congresso

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a invasão ao Palácio do Planalto (Foto: LUCAS NEVES/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO)

O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve ler, nesta quarta-feira (26), requerimento que pede a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar fatos relacionados aos atos golpistas que culminaram na invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.

A sessão conjunta das casas legislativas está agendada para as 12h (horário de Brasília), no plenário da Câmara dos Deputados.

O requerimento, de autoria do deputado federal André Fernandes (PL-CE), foi protocolado há quase dois meses, quando alcançou o requisito mínimo de 171 assinaturas de deputados e de 27 senadores. De acordo com a assessoria do parlamentar, até segunda-feira (24), 235 deputados e 37 senadores haviam manifestado apoio formal à instalação do colegiado.

Na peça, André Fernandes pede que a CPMI tenha 30 integrantes titulares, sendo 15 deputados e 15 senadores, e igual número de suplentes de cada casa legislativa.

O pedido prevê funcionamento de 180 dias para o colegiado, define como objeto das investigações “os atos de ação e omissão ocorridos no último dia 08 de janeiro nas Sedes dos Três Poderes da República, em Brasília” e tem despesas estimadas em R$ 200 mil.

“Não há dúvidas que houve depredação do patrimônio público, o que é inadmissível em um Estado Democrático de Direito e todos os envolvidos, sejam eles extremistas ou infiltrados, devem, rigorosamente, ser identificados e punidos na forma da lei. Contudo, ainda paira no ar as incertezas acerca d0 ocorrido e quem de fato o planejou, executou e se omitiu, quando por força legal deveria ter agido”, diz o parlamentar no requerimento.

“Por um lado, tendo em vista que a prisão de quase 2.000 pessoas foi efetuada um dia após o ocorrido, a instauração desta CPMI se mostra necessária para que não haja injustiça contra aqueles que efetivamente não participaram e não concordaram com os atos de vandalismo. De outro modo, a presente comissão contribuirá para a individualização das condutas e a consequente sanção a elas atribuída”, complementa.

Inicialmente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era contrário à criação da CPMI e chegou a operar para impedir que os defensores das investigações não alcançassem as assinaturas necessárias para manter o requerimento.

Na semana passada, os governistas chegaram a conseguir mais tempo para trabalhar no convencimento de parlamentares a retirarem apoio à comissão depois que Pacheco adiou sessão conjunta do Congresso Nacional marcada para a última terça-feira (18).

Mas a orientação mudou após o vazamento de imagens sob sigilo do circuito interno do Palácio do Planalto no 8 de janeiro, que mostraram o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Gonçalves Dias, e funcionários da pasta interagindo com os vândalos em tom aparentemente amistoso.

O episódio culminou na primeira queda de ministro do terceiro mandato de Lula, em 108 dias de gestão. A partir daí, ganhou força no Executivo a percepção de que era muito custoso trabalhar contra as adesão de congressistas ao requerimento e que a instalação da CPMI seria inevitável.

Apesar da mudança de orientação do Poder Executivo, nenhum congressista que integra o núcleo duro da base assinou o requerimento para instalação da CPMI.

Nos bastidores, a percepção é que as investigações representam um dos mais importantes testes para Lula no Congresso Nacional até o momento e podem ter alguma influência sobre o andamento de pautas de interesse do governo no Legislativo.

“Mesmo dando aval à criação da CPMI, ela é considerada, por si só, uma grande derrota para o Planalto. O efeito midiático que possui e o seu potencial de esvaziar a pauta do governo são preocupações iniciais, além dos desgastes e revelações que possam vir à tona”, pontuam os analistas da consultoria de risco político Arko Advice.

Eles destacam que a definição dos nomes dos integrantes do colegiado, feita pelas lideranças partidárias, será um indicativo importante do potencial risco ao governo durante os trabalhos.

“Lideranças governistas têm garantido que o Executivo ficará com a maioria dos indicados, mas isso vai depender do comportamento de partidos de centro, que, embora se declarem independentes, abrigam tanto apoiadores do atual governo como apoiadores do governo anterior. E, a depender dos indicados, o governo terá trabalho para colocar em prática a sua nova estratégia: a de assumir as rédeas da comissão, com a indicação do relator e do presidente”, pontuam os especialistas.

Uma vez feita a esperada leitura do requerimento para a criação da CPMI por Pacheco na sessão conjunta do Congresso desta quarta-feira, as lideranças dos partidos e blocos terão um prazo para indicar seus representantes no colegiado.

Depois disso, é feita a instalação e eleição do presidente e relator – posições centrais na garantia do controle sobre os trabalhos. O primeiro coordena as atividades, organiza a pauta e decide sobre questões levantadas pelos integrantes do colegiado, enquanto o segundo elabora o texto final dos trabalhos, tendo importante peso na definição dos rumos a serem seguidos pela comissão.

Com o apoio dos maiores blocos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o governo espera conseguir indicar suas preferências para as duas posições. Mas a oposição também tenta emplacar representantes nos postos. O resultado dependerá do perfil das indicações feitas para a composição da comissão parlamentar mista de inquérito.

“Com a CPMI do 8 de janeiro, o governo Lula está na situação de um exército que teme uma guerrilha e suas escaramuças”, observa o analista político Thomas Traumann.

“A CPMI mostra um erro grosseiro do governo, mas as consequências políticas são controláveis. A investigação vai inflacionar o valor do Congresso, mas nada desconhecido da articulação política profissional. Apenas vai custar caro”, complementa.

Embora a abertura da CPMI seja notícia negativa para o governo, ela hoje pode representar um risco menor do que alguns meses atrás. Isso porque a nova configuração se blocos partidários na Câmara dos Deputados retirou o opositor PL da condição de maior bancada da casa legislativa.

Hoje, o maior bloco da casa legislativa reúne 7 partidos (União Brasil, PP, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota) e a federação PSDB-Cidadania. Ao todo, são 173 deputados representados. Na sequência, vem o bloco formado por MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC, com 142 integrantes.

Como a distribuição de espaços nos colegiados segue o princípio da proporcionalidade, a sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que conta com 99 deputados, terá menos assentos do que poderia ter se a comissão tivesse sido instalada em fevereiro, dando mais chances para o Planalto garantir uma composição menos hostil à atual administração.

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Marcos Mortari

Marcos Mortari