No Senado, Campos Neto rebate 7 críticas frequentes do governo Lula ao Banco Central

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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, participou, nesta terça-feira (25), de audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal para prestar esclarecimentos sobre o atual patamar da taxa básica de juros no Brasil (a Selic, fixada em 13,75% ao ano desde agosto de 2022).

Durante a sessão, o executivo buscou explicar os motivos pelos quais o Banco Central mantém uma política monetária restritiva e destacou a importância de se trabalhar pela manutenção da credibilidade da instituição junto a agentes econômicos, de modo a gerar condições para um horizonte de cortes de juros mais sustentável e um enfrentamento menos custoso à inflação.

Cobrado sobre o momento em que os juros começariam a cair no país, ele disse que não tinha capacidade de informar, já que representaria apenas um dos nove votos do Comitê de Política Monetária (Copom). “Tomaremos uma decisão técnica, olhando todos os fatores, e as coisas estão caminhando no sentido certo”, afirmou.

Questionado pelos parlamentares sobre se a aprovação do novo arcabouço fiscal seria suficiente para garantir a queda dos juros, buscou tom cordial com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e respondeu que a questão fiscal é uma das variáveis consideradas pelo Banco Central na definição dos rumos da política monetária. “A parte fiscal faz com que as expectativas de inflação caiam, isso aconteceu quando foi aprovado o teto de gastos”, lembrou.

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Em suas manifestações, Campos Neto esquivou-se de críticas frequentes vindas do campo político, fugiu da personificação do Banco Central em sua figura e tentou explicar como se dá o processo de decisão do patamar da Selic no país. O executivo também fez análises sobre o contexto inflacionário internacional e teceu comentários sobre os motivos de os juros serem tão altos no país.

O convite para participar da audiência pública atende a dois requerimentos: um de autoria do presidente da comissão, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), e outro do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que também cobrou explicações sobre um erro estatístico de US$ 14,5 bilhões admitido pelo Banco Central nos dados de setor externo do ano passado – tema que foi secundário nas discussões.

Em sua exposição inicial e nas interações com parlamentares, Campos Neto procurou responder a críticas frequentes feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integrantes de seu governo à condução da política monetária sob sua gestão.

Ao longo dos 100 primeiros dias da nova administração, as cobranças por uma redução na taxa de juros se tornaram cada vez mais frequentes e ligaram um sinal de alerta entre agentes econômicos. O debate alimentado pela política entrou na agenda de outros setores da sociedade, com diversos empresários e até alguns atores do mercado financeiro adotando postura mais vocal contra os juros elevados.

Eis alguns dos principais pontos rebatidos por Campos Neto:

Autonomia do Banco Central

O atual patamar da Selic tem levado Lula a questionar a própria autonomia do Banco Central, aprovada em fevereiro de 2021 pelo Congresso Nacional. Em resposta, Campos Neto diz que o instrumento historicamente garante níveis de inflação menores e com menos volatilidade.

“Países que têm maior autonomia do Banco Central têm menos inflação e países que têm mais autonomia do Banco Central também têm menor volatilidade da inflação. Então, não só tem uma inflação mais baixa como ela oscila menos”, disse o executivo na audiência pública.

“O Banco Central autônomo transmite uma segurança na parte de precificação de ativos financeiros e de expectativa, que gera um ganho para sociedade muito grande”, complementou.

Atuação política

O fato de Campos Neto ter sido indicado no governo de Jair Bolsonaro e apoiado a reeleição do ex-presidente costuma ser utilizado por aliados de Lula para indicar suposto interesse no atual comando do Banco Central em prejudicar a retomada da economia na atual gestão.

Em resposta, Campos Neto costuma destacar o comportamento da autoridade monetária durante o último ciclo eleitoral. De março de 2021 a agosto de 2022, o BC elevou a Selic de 2,75% para os atuais 13,75%, sendo que 4 pontos percentuais deste movimento ocorreram no próprio ano da corrida presidencial.

“Nunca na história deste país nem na história do mundo foi feito um movimento de alta de juros tão grande no período eleitoral”, disse aos parlamentares. Ele ressaltou que o BC brasileiro foi um dos primeiros a elevar os juros no novo ciclo global de aperto monetário – o que, na sua leitura, tornou mais baixos os custos do combate à inflação para a sociedade.

“O que teria acontecido se o Banco Central não tivesse feito esse movimento? Se isso fosse feito, a gente teria tido uma inflação de 10% em vez de 5,8%, e hoje, para controlar a inflação e a expectativa do ano que vem, que seria muito mais alta do que os 10%, a gente teria que estar com juros de 18,75%. E, se não estivesse, a gente estaria caminhando para uma inflação que iria contaminar bastante, como o exemplo da Argentina”, pontuou.

Diferença de tratamento

Na audiência pública, Campos Neto também negou qualquer mudança na abordagem do BC em relação ao governo desde que Lula assumiu a presidência da República e destacou que o tom adotado nas comunicações oficiais com agentes econômicos sobre a política monetária segue o padrão adotado pela autarquia.

“O Banco Central atua de uma forma muito técnica e, em todas as atas do Copom, desde 2019, em que foi enxergado que houve alguma medida que alterava a trajetória da dívida, se expressou nas suas comunicações”, afirmou.

“Há vários exemplos de vezes que, quando entendeu que tinha uma vulnerabilidade fiscal, o Banco Central se expressou, porque essa é uma forma de comunicação e o pilar fiscal é um dos pilares no tripé do sistema de metas”, salientou.

Inflação de oferta vs. Inflação de demanda

Outro argumento frequentemente levantado por Lula, aliados e setores do empresariado contra o atual patamar da Selic é que o comportamento dos preços no Brasil neste momento representaria uma inflação de oferta – tese confrontada por Campos Neto, tanto para o caso nacional quanto para a dinâmica dos preços nas principais economias.

“Na pandemia, tudo caiu. Depois, teve um programa enorme de assistência não só americana como global. Colocaram US$ 9 trilhões em circulação numa economia de R$ 8 trilhões num período de 11 meses. Nunca na história tinha sido feita uma coisa como essa. Isso significa que houve uma demanda de consumo de bens muito alta e até hoje não retornou. Enquanto serviços voltaram, bens continuam acima”, disse.

“Quando a gente olha a diferença entre a demanda nominal e a produção real, a gente vê também que ainda existe uma poupança acumulada, com tudo o que foi feito nos Estados Unidos. Por isso tem tido essa demanda grande”, complementou.

No Brasil, ele destaca o núcleo da inflação, que ainda gira em torno de 7,8% ao ano – mais do que o dobro da meta de 3,25%.

“Hoje existem mais componentes de demanda na inflação do que oferta, e as pessoas podem perceber isso. Os aeroportos voltaram a estar cheios; os bares e restaurantes voltaram a estar cheios. É óbvio que gostaríamos de crescer mais, precisamos ter mais atividade, mas eu só estou dizendo que, quando olhamos o componente de oferta e demanda, temos um componente de demanda na inflação. E, mesmo quando só temos componentes de oferta, se ele tem efeitos secundários − ou seja, se ele transpassa da oferta para outros produtos −, o Banco Central precisa atuar”, argumentou.

“Estamos com o núcleo de inflação a 7,80%, com juros de 13,75%. Na última vez em que os juros estavam a 14,75%, o núcleo de inflação estava mais ou menos no mesmo nível que está hoje. (…) Estamos com juros que são compatíveis para esse tipo de problema, entendendo que já está funcionando e que está caindo a inflação”, disse.

Tolerância com mais inflação

Em um contexto de inflação global mais elevada, críticos alegam que o Banco Central tem tido uma atuação descabida ao perseguir o cumprimento de uma meta de 3,25% para 2023 – hoje considerada praticamente inalcançável por diversos economistas.

Durante sessão, Campos Neto alertou para os riscos de se adotar um comportamento mais leniente com a alta dos preços.

’Mas não é bom ter um pouquinho mais de inflação?’. O problema de ter um pouquinho mais de inflação é que um pouquinho mais de inflação acaba virando muito mais inflação, e os mecanismos de indexação no Brasil são muito presentes”, pontuou.

Segundo ele, quando a inflação sobe para a casa de 4,5% ou 5%, crescem os riscos de uma rápida indexação, considerando os mecanismos presentes na economia brasileira − que pode produzir uma bola de neve, com impactos desproporcionalmente mais negativos à camada mais pobre da população.

“O combate à inflação é o melhor instrumento social que existe hoje, e tem vários estudos que mostram isso. No caso da Argentina, a pobreza aumentou 53% e hoje alcança quase 40% da população”, salientou.

Consideração do cenário geral

Em sua apresentação, Campos Neto disse que o Banco Central busca suavizar os impactos gerados pelos esforços em fazer a inflação convergir para a meta.

“O Banco Central suaviza. Isso significa que a gente passa a alongar o horizonte para ter uma inflação controlada em um horizonte que seja relevante, com o mínimo custo social possível. Nosso trabalho é fazer a inflação convergir para a meta com o mínimo de custo social”, disse.

“Não é verdade que o Brasil está afundando numa recessão sem fim. Estamos tentando fazer um trabalho de trazer a inflação para a meta, porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes, e precisamos fazer isso da forma mais suave possível”, prosseguiu.

Nos cálculos do presidente do BC, caso a autoridade monetária decidisse cumprir seu mandato e buscar fazer a inflação convergir aos objetivos determinados para este ano, a Selic precisaria ser elevada para 26,5% ao ano.

“É óbvio que a gente não fez isso, não vai fazer isso. Estamos tentando suavizar. Para trazer a inflação para a meta sem perder a credibilidade, porque o problema é que, quando você alonga demais o horizonte, eventualmente perde a credibilidade. E se perder a credibilidade, a expectativa de inflação à frente sobe, contamina os preços presentes e depois o custo é muito mais caro”, explicou.

Juros mais altos do mundo

Questionado sobre o motivo pelos quais os juros são tão altos no Brasil, Campos Neto destacou a “baixíssima taxa de recuperação de crédito pelos bancos” (alta inadimplência); a “baixa taxa de poupança”; a “dívida bruta acima da média”; a “percepção de risco”; a “alta proporção de crédito direcionado” (em vez de crédito geral, a partir do mercado de capitais) e crédito subsidiado (que faz com que a potência da política monetária seja reduzida e exija uma Selic mais elevada para produzir os mesmos efeitos).

O executivo disse, ainda, que a Selic representa apenas uma fração dos juros cobrados na ponta e salientou que não necessariamente uma redução da taxa no presente significaria um ambiente favorável no longo prazo, já que seria necessário ancorar expectativas para que as taxas futuras acompanhassem o movimento.

“O mundo não gira na Selic. A Selic é 2,2%. Grande parte dos juros é pré-fixado. Então, eu controlo os juros de um dia, e todo o resto da curva de juros é determinada pelo preço que as pessoas estão dispostas a emprestar para o governo. Se eu não tiver credibilidade, eu posso cair os juros curtos, e os juros longos vão subir. E a economia não gira no juro curto”, pontuou.

“É importante entender que eu não consigo controlar a expectativa dos agentes somente com a palavra. Eu tenho que ter credibilidade, tenho que ter um canal de expectativa funcionando para que o que o Banco Central faça tenha o efeito que a gente deseja, senão, em alguns casos, pode ter o efeito contrário”, complementou.

De qualquer forma, Campos Neto defendeu que, considerando os núcleos inflacionários e medidas artificiais que reduziram temporariamente o IPCA em 2022 (como a redução de impostos sobre energia e telecomunicações), a taxa de juros real ex-ante (que considera a relação entre expectativas de juros e de inflação) estaria em linha com outros países.

(com agências)

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Marcos Mortari

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