Lula se esforça para reviver “soft power” do Brasil em meio às tensões entre EUA e China

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Desde que tomou posse em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já viajou para 21 países e se reuniu com mais de 50 chefes de Estado, incluindo dois reis e o papa Francisco.

O líder viajante, que será o primeiro chefe de Estado a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas na terça-feira, tem priorizado as viagens ao exterior em seu terceiro mandato até agora, enquanto se esforça para restaurar o país como um ator global.

“O Brasil está de volta”, ele repete em discursos nos cinco continentes, em contraste com o crescente isolamento que veio com a postura política ultraconservadora e o péssimo histórico ambietal de seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Mas diplomatas e especialistas em política externa dizem que Lula está longe de restaurar o status de “soft power” que o Brasil desfrutou após os dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, quando o país se tornou uma voz para o sul global em ascensão, mantendo-se independente dos Estados Unidos e da China.

Em parte, isso reflete as águas mais agitadas pelas quais o líder de 77 anos navega agora, enquanto Pequim e Washington flertam com uma nova Guerra Fria e uma guerra assola a Ucrânia.

O Brasil também tem se tornado cada vez mais dependente dos mercados asiáticos, que compram metade de suas exportações. Somente a China, o principal parceiro comercial do Brasil, compra 37% de suas exportações agrícolas.

“Esse é um ato de equilíbrio muito complicado e Lula até agora não conseguiu encontrar o equilíbrio certo”, disse Oliver Stuenkel, professor associado de relações internacionais da FGV em São Paulo. “Há uma percepção na sociedade brasileira agora de que ele está se inclinando mais para o eixo sino-russo do que para o Ocidente.”

Na quarta-feira, Lula deve se encontrar com o presidente dos EUA, Joe Biden, para discutir a crise climática nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, com foco na área onde o mandatário brasileiro tem brilhado.

Lula tem ajudado a restaurar o papel central do Brasil na diplomacia climática, liderando uma cúpula regional sobre florestas tropicais, atraindo contribuições globais para proteger a Amazônia e reformulando políticas para reduzir drasticamente o desmatamento.

Mesmo antes de assumir o cargo, Lula foi recebido como uma celebridade em novembro do ano passado na conferência da ONU sobre mudanças climáticas no Egito. Suas políticas têm ajudado a reduzir quase pela metade o desmatamento da Amazônia até agosto, em comparação com os primeiros oito meses do ano passado, reconstruindo a credibilidade do país nas discussões sobre o clima.

Mas seus comentários sobre a guerra na Ucrânia — ele já disse que ambos os lados são responsáveis pelo conflito enquanto tentava intermediar um acordo de paz — têm irritado os aliados norte-americanos e europeus, que o acusam de repetir a retórica russa.

A propensão de Lula a fazer comentários improvisados ocasionalmente piorou a situação.

Durante uma reunião do G20 na Índia neste mês, ele disse que “de jeito nenhum” o presidente russo Vladimir Putin seria preso se participasse da cúpula do ano que vem no Rio de Janeiro. Quando os repórteres o questionaram sobre os compromissos do Brasil em cumprir um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional, ele voltou atrás em seus comentários, mas sugeriu que o Brasil poderia deixar o TPI.

“Houve alguns momentos difíceis. Toda a questão Rússia-Ucrânia foi uma lição aprendida”, disse Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil, que agora é consultor sênior de política internacional na Arnold & Porter.

Na reunião da cúpula do Brics, realizada no mês passado na África do Sul, onde o grupo das principais economias emergentes expandiu seu número de membros, conforme solicitado pela China, o Brasil obteve o apoio chinês para o assento permanente que deseja no Conselho de Segurança da ONU. Mas é improvável que isso aconteça em breve, de acordo com Shannon.

Os laços mais estreitos com Pequim podem complicar o relacionamento do Brasil com Washington, incluindo o acesso a tecnologias importantes, acrescentou Shannon.

“Agenda ultrapassada”

Mais perto de casa, Lula tem colhido pouco em termos concretos do amplo alinhamento de centro-esquerda da América Latina. O bloco comercial do Mercosul levou quase um semestre para responder formalmente a uma nova posição europeia sobre um acordo comercial que está sendo discutido.

E as simpatias de longa data de Lula com os governos de esquerda da Nicarágua e da Venezuela, acusados de abusos contra os direitos humanos, fazem com que ele pareça fora de sintonia com uma nova geração de líderes progressistas da América Latina.

Lula estendeu o tapete vermelho para o presidente venezuelano Nicolás Maduro em Brasília durante uma cúpula regional em maio, ajudando a tirar o líder socialista do isolamento. Outros líderes, incluindo o presidente de esquerda do Chile, Gabriel Boric, criticaram a presença de Maduro.

Impressões de viés ideológico podem prejudicar a imagem do Brasil à medida que o país retorna aos holofotes internacionais, colocando Lula em desacordo com seu Ministério das Relações Exteriores em alguns momentos, disse Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Londres e Washington.

“Onde está o Brasil como defensor dos direitos humanos? Não está claro o que o Brasil representa hoje quando escolhe Putin e Maduro como aliados”, disse um embaixador sul-americano em Brasília, que pediu para não ser identificado.

“O Brasil está desperdiçando rapidamente seu soft power ao tentar ser um ator internacional com uma agenda ultrapassada”, disse ele.

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Reuters

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