Arcabouço fiscal caminha para texto mais rígido, mas criminalização sofre resistências do governo e do Congresso

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Passadas duas semanas da entrega do projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já há maior clareza no mundo político e no mercado financeiro sobre os pontos que podem sofrer modificação no texto durante sua tramitação no Congresso Nacional.

O objetivo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é aprovar a matéria em plenário até a próxima semana, mas o texto sequer teve requerimento de urgência aprovado pelos parlamentares.

Com o prazo apertado e sem sinalizações do tom do substitutivo do relator, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), cresce o ceticismo quanto ao cumprimento do prazo indicado.

O relator tem dito a colegas que espera concluir seu parecer até o fim desta semana, reunindo o que ele entende ser o desejo majoritário dos membros da Câmara. Na semana passada, ele participou de uma rodada de conversas com integrantes do mercado financeiro nas quais, segundo fontes, mais ouviu do que falou e evitou assumir compromissos.

No Senado Federal, etapa seguinte de tramitação do projeto, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também demonstra boa vontade com a matéria, mas ainda há focos de resistência ao texto original que precisarão ser discutidos, embora o debate seja considerado por especialistas mais simples naquela casa legislativa.

As principais críticas feitas entre agentes econômicos ao texto que veio do Poder Executivo se concentram na flexibilização de pontos relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na ausência de mecanismos efetivos de “enforcement” (isto é, que estimulem o agente público a buscar o cumprimento da regra) e dos chamados “gatilhos” automáticos em caso de descumprimento das metas.

Pelo projeto de lei complementar, caso o objetivo de resultado primário definido pelo próprio governo não seja atingido, não haverá enquadramento em infração. O texto determina apenas que o presidente da República encaminhe mensagem ao Congresso Nacional, até 31 de março do exercício seguinte, com as razões para o descumprimento e medidas de correção. Com isso, fica afastado o risco de impeachment presente no modelo em vigor da LRF.

No mundo político, no entanto, o relator entende haver convergência entre parlamentares sobre não haver risco de responsabilização por crime de responsabilidade do gestor que não cumprir metas fiscais. O ponto é tratado como inegociável por integrantes do governo, que tentam afastar o fantasma da crise que culminou na queda de Dilma Rousseff (PT).

“Tem quem achou que o texto deve se manter, sem nenhum regramento de punição e teve quem acha que tem que ter, senão não tem sentido você perseguir meta sem que haja nenhuma consequência”, observou Cajado após reunião com líderes da base do governo federal na última quarta-feira (3).

“A questão que está tendo mais ou menos algum consenso é não haver criminalização, ou seja, aquela coisa de você ter o crime de responsabilidade”, emendou o relator.

Contra as críticas de falta de punição, integrantes da equipe econômica chamam atenção para outro mecanismo previsto na proposta para o caso de o resultado primário ficar abaixo da banda estabelecida: a redução do fator de correção para o limite das despesas no ano seguinte – que na atual administração seria de 70% para 50% o crescimento das receitas, desde que respeitado o piso de 0,6% e o teto de 2,5% descontada a inflação.

Atualmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal também determina que, caso se verifique ao final de um bimestre que “a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas (…), os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos 30 dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.

O projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal, porém, torna o contingenciamento facultativo, flexibilizando a necessidade de ajuste em cenários de provável descumprimento da meta. “Mais importante é a mudança da lógica de contingenciamento, que passa a ser facultativo, como forma de se evitar que políticas importantes deixem de ser continuadas por conta de frustações às vezes pontuais de receitas”, justifica o governo na exposição de motivos do texto.

Apesar da argumentação do Poder Executivo, esse ponto é um dos que corre mais riscos de ficar pelo caminho para tornar a regra mais rígida e para que o texto tenha alguma marca da Câmara dos Deputados – a contragosto do Partido dos Trabalhadores (PT).

“Gatilhos”

Outra questão exigida por agentes econômicos e apoiada por alguns parlamentares é a inclusão de mecanismos de ajuste fiscal pelo lado das despesas, que poderiam ser acionados em caso de descumprimento ou risco de não atendimento às metas de resultado primário estabelecidas.

No Congresso Nacional, um dos defensores desta bandeira é o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo e autor de um projeto próprio de marco fiscal para substituir o teto de gastos, ancorado sobretudo em uma regra de limite flexível para o crescimento de despesas públicas, definido de acordo com o nível de endividamento público do país, medido pela Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG) em proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

Na semana passada, o parlamentar apresentou 13 sugestões de ajustes no projeto de lei complementar encaminhado pelo governo. Nesta lista está a defesa da incorporação dos “gatilhos”. Na avaliação do deputado, o mecanismo de redução do fator de correção dos gastos presente na versão original do texto é frouxo.

“Tornar o mecanismo de ajuste mais incisivo do que simplesmente reduzir o crescimento da despesa de 70% para 50% da variação da receita, que além de ser um mecanismo fraco, valerá apenas para o ano T para reduzir o limite de despesas, mas nada acontece para o cômputo da despesa do ano T+1 (será considerada a base de cálculo da despesa cheia no ano t, ou seja, como se o limite de gastos tivesse aumentado 70% e não mais 50%), escreveu no documento.

Em sua proposta alternativa ao arcabouço fiscal, Pedro Paulo lista vedações a novas despesas obrigatórias, dependendo da dinâmica do endividamento público em relação ao PIB. Entre os “gatilhos” previstos está a proibição da criação de cargos, empregos e funções ou qualquer mudança na estrutura das carreiras que impliquem em aumento de custos para os cofres públicos. Também há impedimentos para a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, assim como renegociação ou refinanciamento de dívidas.

No cenário mais grave, são acionados “gatilhos” para congelar a realização de serviços públicos (salvo para reposições de vacâncias) e a imposição de redução gradual de pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, além da redução linear e gradual de benefícios tributários em pelo menos 5%.

O parlamentar também defende uma nova regra para as despesas com precatórios, que dispararam nos últimos anos e foram objeto de manobra durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que limitou o volume dessas despesas de um exercício para o outro à lógica do teto de gastos (variação da inflação).

A redução do limite para o crescimento de despesas públicas de 2,5% para 2% acima da inflação é outro ponto levantado por Pedro Paulo, assim como a limitação do uso do piso de 0,6% de crescimento real apenas em casos de recessão técnica. Ele também busca incluir parâmetros mais claros para os limites de despesas nos próximos governos, mudanças no método de cálculo presente no texto original e ajustes nas flexibilizações feitas para investimentos públicos.

Exceções

Também há discussão sobre as exceções à regra de limite de despesas apontada pelo projeto de lei complementar. Pelo texto do governo, há 13 categorias de gastos que não precisam responder ao novo marco fiscal criado.

A maior parte delas já estava presente na regra do teto de gastos, mas foram incluídas transferências para o cumprimento do piso nacional da enfermagem, precatórios parcelados ou com deságio, precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), participação de estados e municípios nas concessões florestais e na alienação de imóveis da União, e despesas relativas à cobrança pela gestão dos recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Existe ainda a possibilidade de aumento de capitais de companhias estatais não financeiras e não dependentes da União, que poderiam tornar a conta ainda mais elevada e incerta.

Alguns parlamentares consideram um exagero das excepcionalidades, que se aproximam da marca de R$ 550 bilhões, e tenta convencer os pares de enxugar o texto. Deputados da base governista, no entanto, são resistentes a reduzir as exceções previstas.

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Marcos Mortari

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