Pacote oferece liquidez ao mercado de capitais, mas restrições seguirão no credito corporativo, dizem especialistas

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O anúncio das medidas econômicas do governo federal para destravar Parcerias Público-Privada (PPP) e fomentar o crédito por meio da ampliação de garantias foi vista de maneira mista por agentes de mercado ouvidos pelo InfoMoney.

A previsão de garantia firme da União às PPPs de estados e municípios juntamente com a ampliação de setores que poderão emitir debêntures incentivadas tendem a criar um novo segmento no mercado de capitais, avalia André Leite, CIO da Torana Investimentos.

Por outro lado, Leite enxerga risco de distorção no mercado de títulos públicos. “Podemos ter debêntures fazendo proxy aos papéis do Tesouro. Pensando como alocador, pode valer mais entrar em um papel ligado a uma PPP de uma creche do que entrar em algum título do Tesouro”, afirma.

Outra questão é que as iniciativas anunciadas pouco influenciam no mercado de crédito corporativo, que vive momentos de secura após o escândalo da Americanas (AMER3) e do alto custo de capital no país diante da taxa de juros a 13,75% ao ano.

Segundo dados mais recentes do Banco Central, a concessão crédito somou R$ 421,9 bilhões em fevereiro, com recuo de 2,2% no comparativo a igual mês de 2022. Do total, houve retração de 4,4% de concessões para pessoas jurídicas e alta de 0,8% para pessoas físicas.

Para Natalia Marcasa, presidente do MoveInfra, associação que reúne CCR (CCRO3), EcoRodovias (ECOR3), Rumo (RAIL3), Santos Brasil (STBP3) e Ultracargo (UGPA3), o pacote poderá ter maior repercussão para pessoas físicas e na liquidez do mercado de capitais, mas pouco efeito nas empresas com necessidade intensiva de capital – que são as que mais sofrem neste cenário de aperto monetário.

“Ficamos com a sensação de que poderia ter mais medidas para o nosso lado, como em oferecer melhores condições de financiamento diante da alta taxa de juros ou uma participação do BNDES para dar liquidez ao mercado de crédito”, diz Marcassa.

Risco fiscal

Leite também alerta para um risco fiscal implícito no pacote, em especial à garantia firme da União aos projetos de PPPs.

O pacote aponta que, ao estruturar uma PPP com previsão de aportes públicos para a realização de obras e aquisição de bens, estados e municípios poderão financiar aportes com uma instituição financeira interna ou externa com garantia da União.

O motivo é que, esses entes federativos deem calote nos contratos, a dívida ficará para o governo federal. “Acaba se tornando um risco à responsabilidade fiscal e pode virar um problema inflacionário. É como se estados e municípios tivessem uma impressora de dinheiro [por meio de títulos]”, diz.

Na mesma linha, Natalia lembra que embora considere o mecanismo seja inteligente, a falta de caixa do governo segue sendo um problema e que o executivo terá que priorizar quais PPPs receberão aval para a garantia.

“O anúncio foi possível pelo fim do teto de gastos, que abre mais espaço para o governo se comprometer. Mas, ainda assim, capacidade do governo de oferecer garantias segue limitada.”

Debêntures incentivadas

Por outro lado, Bruno Di Giacomo, CIO da Nero Capital, entende que a medida pode fazer andar o mercado como um todo. Com as debêntures incentivadas para mais setores, a tendência é de adesão de mais pessoas físicas no mercado de capitais, podendo dar liquidez para novas emissões.

“É positivo para destravar alguns setores, mas mais que isso é a liquidez que traz, contribuindo para o custo do crédito como um todo”, aponta.

O governo anunciou que além do setor de infraestrutura, poderão emitir debêntures incentivadas os segmentos de educação, saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana.

“O governo busca destravar investimentos que são menores e que o investidor ficava de fora por causa do risco. Então, as duas medidas em conjunto podem destravar os aportes em áreas com externalidade positiva”, afirma Ulisses Nehmi, CEO da Sparta.

A medida beneficia o tomador da debênture, que terá alíquota zero de Imposto de Renda em caso de pessoa física e de 15% para pessoa jurídica.

No primeiro trimestre do ano, as emissões de todas as classes debêntures recuaram 34,4%, de R$ 55,8 bilhões para R$ 36,6 bilhões, de acordo com números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Do total, R$ 3,8 bilhões foram em papéis incentivados, ante R$ 5,8 bilhões no mesmo período de 2022.

Outro anúncio, o de redução de burocracia para emissão de debêntures. foi bem visto pelos agentes de mercado, porém indicam que o Ministério da Fazenda apresentou poucos detalhes sobre a medida. O governo se comprometeu a apresentar um projeto de lei sobre o tema nos próximos meses.

Minoritários devem ganhar força

Outro anúncio preliminar feito pelo Ministério da Fazenda é de que o governo pretende enviar um projeto de lei para aumentar a proteção de investidores minoritários no mercado de capitais contra “danos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores”.

A medida surge em um contexto em que diversos acionistas e debenturistas vêm procurando a Justiça para pedir responsabilização dos administradores em casos de recuperação judicial.

Para Gabriel de Britto Silva, advogado do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), que representa minoritários no Caso Americanas na Justiça, a medida é positiva, mas existem pontos a serem melhorados.

“O pacote governamental é salutar, especialmente quanto ao reforço do sistema protetivo referente aos acionistas minoritários. O pacote só trata da ação coletiva judicial, mas é não diz nada quanto à ação judicial individual”, pondera.

Outra questão é a imposição aos acionistas que eventuais processos ocorram em câmaras de arbitragem, que possuem custos mais altos, em vez de poderem seguir à Justiça. “Ele pode ter essa opção, mas a ele não pode haver essa imposição”, completa Silva.

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Rikardy Tooge

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