Olhares Indígenas: povos originários da Paraíba resistem à violência e reivindicam direitos


Depois de séculos de expulsões e ataques, indígenas paraibanos se reorganizam e mantêm tradições vivas em terras que são suas por direito. Terras indígenas da Paraíba são reivindicações ao estado brasileiro TV Cabo Branco/Reprodução Povos vítimas de genocídio e de um violento processo de silenciamento ao longo da história, cuja perseguição se seguiu nos últimos séculos e que, de alguma forma, persiste até os dias atuais. A despeito disso, contudo, seguem resistindo, buscando os espaços que são seus de direito e lutando pela manutenção de seus vínculos com a terra. No Mês dos Povos Indígenas, o Bom Dia Paraíba apresenta a série de reportagem "Olhares Indígenas", que respeita o protagonismo desses povos originários para falar de suas próprias existências e resistências no território paraibano. São pessoas como o cacique Caboquinho, da Aldeia Forte, de Baía da Traição, um representante potiguara que analisa a luta que os seus antepassados travaram pelo direito à terra: "O preço foi muito sangue derramado. Perdermos essas lideranças toda. Perdemos o nosso território", destaca. Olhares Indígenas: as várias identidades dos povos originários da Paraíba É uma luta que segue até os dias atuais. Por exemplo, no século 19 eram 54 mil hectares dos povos potiguara no Litoral Sul da Paraíba, reduzidos a apenas 34 mil hectares atualmente. Ainda assim, o cacique Caboquinho diz que está em curso um trabalho de resgate do direito indígena, iniciado em 1984, ano da primeira demarcação de terra indígena no estado. "Nós somos três terras contíguas", explica. Cacique Caboquinho, da etnia Potiguara TV Cabo Branco/Reprodução A primeira é justo a Terra de São Miguel, onde está localizada a Aldeia Forte e que foi demarcada em 1984. Tem ainda a Terra de São Domingos, também demarcada, e a Terra de Monte-Mor, que segue em litígio, em vias de ser demarcada pelo estado brasileiro. Sobre o tema, a propósito, o cacique Ednaldo Tabajara, da Aldeia Vitória, localizada no Litoral Sul da Paraíba, também fala em resgate do direito indígena. Especificamente sobre os Tabajara, ele divide a história em três períodos. "A primeira é a era etno-histórica, que pega de 1573 até 1889. Depois, a gente vive o nosso silenciamento desde 1889 até comecinho de 2006. É quando vem o nosso ressurgimento, de 2006 até hoje", explica. Ednaldo Tabajara, cacique TV Cabo Branco/Reprodução Trata-se de uma história, acima de tudo, marcada por violências dos invasores contra os povos que viviam naquelas terras. E que está marcado na memória das populações indígenas da Paraíba. A artesã Maria Tabajara, por exemplo, que mora em terra indígena no município de Conde, relembra dos tempos em que a perseguição acontecia de forma corriqueira e violenta. "A minha família era indígena, mas os brancos queriam tomar conta da mata. Expulsaram os indígenas. Quem escapou, escapou. Quem não escapou, morreu. Era queimado, morto de pau, de bala", destaca. Outros indígenas confirmam toda essa violência. "Meu pai foi perseguido", relata o comerciante Zezinho Tabajara. "Naquela época, quem dissesse que era índio era caçado", prossegue Dora Tabajara. Por causa de tudo isso, houve grande dispersão dos indígenas por diferentes regiões, sendo que muitos fugiram para municípios vizinhos de Pernambuco. Depois, contudo, foram se reorganizando, retomando para suas casas, suas terras. "Nós fomos expulsos. Nossa terra foi tomada. Hoje, estamos revendo tudo isso e pedindo ao estado brasileiro reparação", enfatiza o cacique Ednaldo Tabajara. A terra tem um valor sagrado aos povos indígenas TV Cabo Branco/Reprodução Tradições indígenas Os povos originários que viveram e ainda vivem no território que hoje é a Paraíba convivem e tentam manter vivas as suas tradições, muito ligadas à terra e às riquezas que saem dela. Além disso, dos ensinamentos que foram passados através das gerações. Nancy Potiguara, por exemplo, é parteira. Aprendeu o ofício num tempo que pouco existia de tecnologia e foi responsável pelo nascimento de muitos dos indígenas de sua etnia. Ela relembra de uma época que não havia veículo terrestre a disposição, nem mesmo bicicleta. Os grandes percursos eram vencidos por cavalos ou por barcos e iam até onde tinham mulheres grávidas precisando de auxílio. "A gente fazia com a luz do candeeiro. O marido segurava o candeeiro e eu aparava o menino", explica, destacando que nem a chuva era empecilho. "Teve vez de eu fazer seis partos num mesmo dia", completa Nancy. Nancy Potiguara, parteira que chegou a fazer seis partos num único dia TV Cabo Branco/Reprodução Mais jovem que Nancy, hoje tem a parteira Cida Potiguara, que além de parteira tradicional também é formada em enfermagem. Ela defende uma formação mais ampla sem esquecer a própria cultura indígena. "A ideia é unir a minha cultura com o que eu aprendi na universidade, mas sem perder as minhas raízes". Outro destaque é Ednalva Potiguara, uma fitoterapeuta indígena que aprendeu a fazer de suas plantações uma farmácia. Uma tradição que vem de seus antepassados, mas que já passa para as gerações vindouras. "A gente era curado assim, com remédio de casa. Já pegava, fazia o chazinho. A farmácia estava atrás de casa. Minha mãe me dava, e agora eu já estou passando para os meus netos. E assim por diante". Outra conquista dos povos Potiguara está no muncípio de Baía da Traição, no território da Aldeia Alto do Tambá. É o local onde foi erguida uma escola municipal indígena. "Aonde a gente tem a autonomia e a obrigação de trabalhar a identidade de nosso povo, mas também trabalhar os outros conteúdos que são importantes a criança saber", explica a gestora escolar Tamara Rodrigues, que é indígena Potiguara. Escola municipal indígena em Baía da Traição mantém vivas as tradições TV Cabo Branco/Reprodução Já do lado dos povos Tabajara, o cacique Carlinhos Tabajara fala da espiritualidade de seu povo. "A nossa caça, os nossos bichos, as nossas cabeceiras de água. Isso é tudo importante para nós, porque é tudo de bom que o nosso pai Tupã deixou para nós", destaca. "Se a gente não tivesse a nossa espiritualidade, a gente passaria a ser um povo sem força, sem cultura, sem respeito". completa. Já Iraê Tabajara, curandeira, é outra que destaca a sua relação com a terra. "Quando eu vou à mata, eu sinto energia, eu sinto força, eu sinto a presença dos meus antepassados. Eu vejo algo que vai acontecer no meio do meu povo. Todos nós, indígenas, temos o dom dado pelo nosso pai Tupã", resume. Vídeos mais assistidos da Paraíba
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