Especialista recomenda estudos antes de engorda das praias de João Pessoa


Para professor da UFPB, a Prefeitura sugere obras mirabolantes, mas não resolve os problemas mais elementares da área. Prefeitura de João Pessoa estuda alargar as faixas de areia de todas as praias da capital Secom-JP/Divulgação O anúncio da Prefeitura Municipal de João Pessoa de que está realizando estudos técnicos para realizar já no ano que vem a engorda de areia de todas as praias urbanas da capital paraibana vem provocando preocupações em pesquisadores ligados à área ambiental. Na terça-feira (7), o prefeito Cícero Lucena detalhou a obra, dizendo que pretende, por exemplo, criar uma pista viária ligando o Cabo Branco à Ponta de Seixas, por baixo da falésia. Um dos pesquisadores que questiona a necessidade da obra é o professor Saulo Vital, do Departamento de Geociência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que defende estudos mais aprofundados antes de qualquer tipo de intervenção. Ele comenta que diferentes praias da cidade exigem estratégias diferentes e que nada deveria ser feito de forma tão rápida, sem se ouvir especialistas de todas as áreas do conhecimento. Por exemplo, Saulo destaca que ninguém da área ambiental da UFPB foi ouvido até agora. Para o professor, não tem sentido promover qualquer alargamento de praia antes de resolver problemas mais básicos existentes nas áreas em questão. “Realizar a engorda de praia é como tentar parar uma hemorragia interna por fora”, compara. Saulo Vital explica que uma rápida visita de pesquisadores é suficiente para encontrar problemas básicos que simplesmente são ignorados. E que, a despeito disso, a Prefeitura pensa logo na medida mais radical. “Querem obras mirabolantes, mas não resolvem os problemas mais elementares”, lamenta. Entre os exemplos, ele cita uma ocupação mal planejada da orla da capital, com construções sendo feitas ao longo das décadas na área costeira e afetando diretamente no processo de erosão. “Isso tudo é uma consequência de ocupação mal planejada”. Depois, Saulo comenta do dia em que fez uma pesquisa na região da Falésia do Cabo Branco e encontrou canaletas de concreto que estavam quebradas. Em vez de escoar a água para longe, jogava-a bem na parte onde a erosão era mais severa, agravando ainda mais o processo de desgaste do solo. Dois problemas diferentes Enrocamento da falésia da Barreira do Cabo Branco, na PB, é concluído Divulgação/Seinfra O professor Saulo Vital destaca que as praias de Manaíra e Bessa de um lado e Cabo Branco do outro possuem características diferentes, de forma que a mesma solução não cabe para as duas realidades. De acordo com ele, os problemas em Manaíra e Bessa são fruto da instalação do Hotel Tambaú na década de 1970 e por causa disso sofre um processo de erosão mais lento, o que até torna possível o alargamento da faixa de areia. “Tudo precisa ser analisado, porque qualquer intervenção numa praia interfere na área próxima. Então tem que avaliar os impactos. Mas em Manaíra e Bessa não vejo um impacto muito grande. Ali é mais para reconstruir o que foi destruído”, explica. Uma situação bem diferente, muito mais complexa, aconteceria em Cabo Branco, cujas interferências são provocadas pela Falésia do Cabro Branco, que, como o nome já indica, trata-se de uma falésia viva e que ainda por cima fica próxima a uma área de corais. Qualquer intervenção ali tem consequências muito mais difíceis de prever. Além disso, Saulo explica que uma intervenção do tipo pode agravar outros problemas: “A falésia é uma forma de relevo que fornece sedimentos e materiais para as praias. Faz parte das dinâmicas praiais. No momento que você barra totalmente a erosão da falésia, você impede que o sedimento chegue nas praias”, pondera ele, demonstrando a complexidade daquela área. Como forma de exemplo, o professor classifica o enrocamento construído no entrono da falésia de “crime ambiental” que piorou muito a situação da região. E que acabou tendo o efeito colateral de acelerar o avanço do mar em direção à pracinha de Iemanjá, que ficava no pé da ladeira do Cabo Branco e que já não existe mais. Outras questões são levantadas. Por causa da falésia, a erosão no Cabo Branco é “muito mais agressiva”, de forma que reconstruir uma área de praia ali, além de ser muito caro, iria obrigar seguidas recomposições ao longo dos anos, tornando o valor total ainda mais alto. “Existe um avanço e um recuo natural do mar que em alguma medida precisa ser respeitado”, ensina. Para completar, ele ainda prevê possíveis problemas para quem está ao norte de João Pessoa: “A partir do momento que João Pessoa enrijecer demais a sua orla e dificultar a erosão, Cabedelo pode sofrer com isso”. A solução está em cima da falésia Praia do Cabo Branco em João Pessoa Luana Silva/g1 Com relação à Falésia do Cabo Branco, Saulo Vital é direto ao dizer que o Poder Público municipal deixou o local numa situação de “descaso total”. E que para minimizar o problema é necessário primeiro pensar em solucionar os problemas existentes na parte de cima. Segundo ele, o asfalto colocado lá muitos anos atrás é a fonte do agravamento do problema da erosão, porque impediu a drenagem natural que acontecia lá e fez com que a água da chuva, por exemplo, escoasse para as margens. Assim, uma água que antigamente era absorvida de forma igual por todo o relevo, agora é jogada e acumulada justamente nas extremidades da falésia, acelerando em muito o processo de erosão. A solução sugerida por Saulo Vital, portanto, da forma mais urgente possível, seria retirar esse asfalto, que inclusive já está todo destruído, e ali construir um parque ecológico, que ele chama de geoparque. “É preciso reflorestar a região, reorganizar o solo, restabelecer os padrões máximos de drenagem. Porque ali, hoje, a água bate, escorre, vai para a falésia. Não drena de forma igual”, diz o pesquisador. Um geoparque que, ainda de acordo com Saulo, traria benefícios para a sociedade: “Não perderia a função turística da área e resolveria bastante o problema. Mas será que ao invés disso aquele asfalto ruindo é bonito para os turistas?”. Ele defende, por fim, um meio termo entre ajustes pontuais e monitoramento da região ao invés de obras milionárias que não seriam a solução. “Precisa-se realizar pequenas intervenções pontuais e respeitar o processo natural. Em paralelo a isso, monitorar a área e fazer a gestão correta dela”, finaliza. Impactos na vida marinha Um dos impactos da obra também está, por exemplo, na conservação das tartarugas marinhas, que usam as praias de João Pessoa e Cabedelo para reprodução. “A gente tem essa preocupação porque vai ser um impacto direto na área reprodutiva. Do final de Manaíra até o começo de Cabedelo, temos área de monitoramento de ninhos. Só nesta temporada de 2023 já foram 19 localizados. Além disso, o alargamento pode ter impacto também nos recifes costeiros, que são a área de alimentação das tartarugas”, explica Danielle Siqueira, presidente da Associação Guajiru, organização sem fins lucrativos que busca promover a conservação das tartarugas marinhas no litoral do Estado da Paraíba. Tartarugas são acompanhadas nos ninhos até o nascimento realizado por cesárea, na Paraíba Associação Guajiru / Divulgação George Cavalcanti, que é biólogo e doutor em oceanografia, acredita que não existe processo erosivo que justifique o alargamento da faixa de areia no litoral pessoense. “Eu não vejo sentido ambiental da realização da engorda da praia em uma região extensa como essa. Primeiro porque em muitos pontos não há necessidade. Sem falar no risco ambiental, porque a mudança na dinâmica das praias e na dinâmica dos sedimentos pode levar ao soterramento de outras áreas, como os recifes do Bessa”, diz. O impacto, para o biólogo, pode ser não só ambiental. “Esses recifes também são explorados pelo turismo, então a gente pode perder, além de um patrimônio ambiental, um patrimônio turístico muito importante”, completa. Vídeos mais assistidos do g1 Paraíba
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