Detentos constroem telescópios e doam a escolas públicas na Paraíba


Reeducandos em projeto de ressocialização já construíram oito telescópios, entregues a escolas públicas no município de Esperança, Agreste da Paraíba. Reeducandos constroem telescópios em projeto de ressocialização e distribuem para escolas públicas de Esperança, PB Reprodução/TV Paraíba Quatro detentos da cadeia pública de Esperança, no Agreste da Paraíba, estão produzindo ferramentas que dão a possibilidade de enxergar além do céu: telescópios. A ideia do projeto partiu do diretor da unidade prisional Lindemberg Gonçalves Lima, que sempre teve apreço pela astronomia e encontrou dentro da unidade prisional outros com o mesmo interesse. Em junho de 2022, Lindemberg resolveu introduzir a proposta dentro da cadeia como um meio de ressocialização com os presidiários. “A ideia surgiu da minha paixão pela astronomia e do desejo de promover a ressocialização dos nossos reeducandos”, diz o diretor. Projeto de ressocialização dentro da cadeia A ressocialização de pessoas privadas de liberdade é um processo que utiliza de procedimentos pedagógicos para que detentos possam contribuir com a sociedade fora do ambiente prisional. O projeto foi intitulado como “Esperança no Espaço”. “Desde criança eu tenho paixão pela astronomia, mas foi uma matéria sobre a sonda Voyager 2, em uma revista, em 1989, que me fez estudar sobre o assunto”, explica Lindemberg Gonçalves. A produção dos telescópios acontece praticamente todos os dias, e Lindemberg Lima explica que os quatro reeducandos foram escolhidos por critérios comportamentais observados dentro da unidade prisional. “[Eles foram escolhidos pelo] comportamento e interesse pelo projeto, mostrando vontade de mudar de vida, mas queremos expandir esse número [de participantes]”, explica. De acordo com a direção da unidade prisional, a parceria da distribuição dos telescópios para as escolas do município consiste, em contrapartida, no suporte de professores da rede municipal de ensino para lecionarem para os detentos. A partir do ensino promovido dentro da unidade prisional, dois apenados conseguiram prestar o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL), e conseguiram ingressar em cursos de graduação no ensino superior nas áreas de gestão pública e pedagogia. Além disso, os reeducandos que participam do projeto têm direito a remissão da pena, que na base de cálculo da unidade prisional, a cada 3 dias trabalhados para o projeto, 1 dia é diminuído da pena do indivíduo. Participante do projeto, Antônio Ramos relatou que tem sido uma experiência enriquecedora poder produzir materiais científicos dentro da prisão e que a educação adquirida dentro da unidade prisional tem sido um diferencial para a construção intelectual do indivíduo. “Estou aqui fazendo um trabalho de educação informal, aprendendo dentro da cadeia, e levando [o trabalho] para a comunidade, para as crianças e as escolas”, explica. Como funcionam os telescópios Oito telescópios foram produzidos na cadeia Pública de Esperança e outros cinco estão em fase final de produção. Após a confecção do primeiro telescópio, ele foi apresentado em julho para a juíza da 1ª Comarca de Esperança, Paula Frassinete Nóbrega de Miranda, que decidiu apoiar o projeto doando verbas de prestação pecuniária para viabilizar a proposta financeiramente, na aquisição de recursos necessários. De acordo com a unidade prisional, com os insumos necessários, a cada semana três telescópios são produzidos, utilizando materiais encontrados no dia a dia das pessoas, como: sobras de madeira das indústrias de móveis; tubos de PVC de 150mm; cape de esgoto; cabo de vassoura; raios de bicicletas; cano de PVC normal; produtos adquiridos por meio de compra externa (lasers, espelhos e lentes oculares). Reeducandos constroem telescópios em projeto de ressocialização e distribuem para escolas públicas de Esperança, PB Reprodução/TV Paraíba Os telescópios que são produzidos na Cadeia Pública de Esperança são do modelo newtoniano refletor. De acordo com o professor de física Breno Morais, é um modelo que possui duas lentes: uma objetiva, que está diretamente apontada para o objeto a ser observado, e a ocular, onde colocamos o nosso olho. Portanto, as lunetas são chamadas comumente de telescópios refratores. Em 1672, Isaac Newton substituiu a lente objetiva por um espelho côncavo, produzindo, assim, o telescópio refletor, corrigindo boa parte dos problemas produzidos pelos telescópios refratores. Esses telescópios contam com espelhos refletores dentro de sua composição, que funcionam da seguinte forma: A luz oriunda de um objeto celeste, ao entrar no telescópio, atinge o espelho côncavo que está dentro do instrumento e, ao sofrer reflexões, atinge a lente ocular que, por sua vez, tem a capacidade de ampliar e formar uma imagem virtual próxima a ela (e ao olho do observador), fazendo com que o objeto observado aparente estar mais próximo e, como consequência, possa ser observado com mais detalhes. Em tese, um telescópio pode observar qualquer objeto astronômico com boa luminosidade. O equipamento produzido na unidade prisional de Esperança mede 203 mm de diâmetro e possui uma distância focal de 1.600 mm. O professor Breno Morais explica que a distância focal é a distância entre o espelho refletor (a objetiva) e o ponto de convergência (dentro do telescópio) da luz refletida oriunda de um objeto astronômico. “O mais importante sobre a distância focal é a capacidade de ampliação de um objeto celeste proporcionada pelo equipamento. Por exemplo, para uma distância focal de 1.600 mm e uma ocular com distância focal de 4 mm, ao observar a lua, é possível conseguir um aumento de 400 vezes (1.600/4)”, ensina o professor. Os telescópios têm aumento útil de uma imagem de 228 vezes. De acordo com Lindemberg Lima, o corpo celeste mais distante possível captar imagens com os telescópios produzidos na unidade prisional foi a Galáxia do Sombreiro, a 30 milhões de anos-luz de distância da Terra. Imagem da Lua captada por um dos telescópios produzidos pelos reeducandos na Cadeia Pública de Esperança Reprodução/TV Paraíba A partir do momento em que os telescópios começaram a ser produzidos até a fase de entrega para as escolas do município de Esperança se passaram cinco meses, pois os telescópios tiveram que passar por uma bateria de testes para comprovar sua eficácia e, segundo Lindemberg, assim que conseguiram capturar a primeira imagem do universo com o telescópio, todos vibraram com a conquista. “Foi incrível! Uma sensação de vitória, conseguimos tirar da teoria a primeira luz que captamos na primeira imagem de um telescópio [que produzimos]. Foi uma comemoração incrível, porque conseguimos superar as barreiras e colocar em prática”, disse. “Tem gente que olha para a frente do telescópio e diz: ‘eu nunca mais vou olhar para o céu da mesma forma!’”, afirmou Lindemberg. Projeto em serviço da comunidade Além do projeto promover meios de aprendizagem dentro da unidade prisional, o material produzido dentro da cadeia tem levado conhecimento científico para a comunidade. Os telescópios foram doados para cinco escolas municipais de Esperança e têm feito a alegria e despertado a curiosidade dos alunos. Uma das estudantes da rede municipal de ensino que pôde testar um dos telescópios, Sâmela Raquele, relatou que ficou fascinada com o alcance visual do telescópio e que já era de seu interesse poder visualizar outros planetas do Sistema Solar. “Eu queria conhecer Marte, Júpiter, são uns planetas bem interessantes”, relatou a estudante. Estudantes de escola pública testam telescópio produzido por reeducandos da Cadeia Pública de Esperança Reprodução/TV Paraíba O professor Breno Morais explica que a distribuição dos telescópios nas escolas públicas é um apoio fundamental para a educação. “A observação dos astros nos faz refletir sobre questionamentos profundos, como a origem dos planetas e do universo como um todo. Assim, tanto para projetos de ressocialização como para escolas municipais, tal atividade traz investigações sobre a posição do ser humano como agente ativo na investigação do cosmos”, explica o professor. Os telescópios foram doados para três escolas municipais da zona urbana do município de Esperança e dois para a zona rural, sendo as escolas contempladas: José Souto, Dom Palmeira da Rocha, Olímpia Souto, Joventino Batista e Fabrício Batista de Araújo. O projeto também levou telescópios para algumas praças públicas de Esperança, com uma exposição para que a população pudesse manusear e visualizar o universo. A última foi realizada em 31 de outubro. Em novembro, os telescópios ficaram em exposição no Salão Paraibano de Ciência e Tecnologia, no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. Vídeos mais assistidos do g1 Paraíba
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