Revista NORDESTE: perda de vegetação nativa ameaça biodiversidade, clima e futuro; saiba a situação dos 9 estados
A nova edição da Revista NORDESTE aborda o desmatamento na região. Segundo o MapBiomas, coleção 8, o desmatamento no Brasil está aumentando, com um aumento de 120% nos últimos 5 anos em relação ao período anterior à aprovação do Código Florestal.
Atualmente, dois novos arcos do desmatamento se destacam em pólos de forte expansão agrícola: no oeste da Amazônia, a fronteira entre Amazonas, Rondônia e Acre, conhecida como Amacro e no cerrado nordestino, denominada de Matopiba, fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde a agropecuária aumentou 14 milhões de hectares, chegando a 25 milhões de hectares em 2022, equivalentes à 35% do território.
Por Luciana Leão
Duas importantes citações de estudiosos dos biomas brasileiros resumem na escrita os resultados que os algoritmos de Inteligência Artificial constataram por meio do programa Landsat, uma constelação de nove satélites de observação da Terra de origem Norte americana, que permitem a identificação e caracterização de diferentes tipos de cobertura vegetal, solo, água e outros recursos naturais em todo o planeta.
Com base nesses dados, o MapBiomas divulgou recentemente a Coleção 8, sobre o “Mapeamento anual de cobertura vegetal nativa e uso da terra no Brasil de 1985 a 2022”.
Dizia o antropólogo e escritor Darcy Ribeiro: “O desmatamento é um crime contra a nossa herança cultural e histórica”. E, em se tratando da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, o líder sindical e ambientalista Chico Mendes, reverenciou o território com uma simples frase : “A Caatinga é o lar de comunidades tradicionais que dependem do bioma para sua sobrevivência”.
Em se tratando da Região Nordeste, a nova versão da dimensão das florestas nativas nos biomas nordestinos, quais sejam Caatinga, Cerrado Nordestino (região de Matopiba) e Mata Atlântica nota-se que houve uma diminuição da vegetação nativa no bioma Caatinga, em quase 11%, o equivalente a seis milhões de hectares, o correspondente a uma vez e meio o tamanho da Suíça, em termos comparativos.
Em entrevista exclusiva à Revista Nordeste, Washington Franca Rocha, coordenador da equipe Caatinga do MapBiomas, reconhece que as mudanças que ocorrem no bioma foram praticamente distribuídas em todos os Estados, em torno de 5 a 7%, com exceção do Rio Grande do Norte e Sergipe, que apresentaram um pequeno ganho em termos de vegetação nativa.
Mudanças Climáticas e uso do solo
Considerando o cenário de mudanças climáticas obtidos pelos relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change, que em português significa Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para o bioma Caatinga espera-se um aumento de temperatura com implicação em elevação de risco no processo de desertificação.
“Nesse caso, a remoção da cobertura vegetal, que é um dos fatores agravantes da desertificação, constitui um elemento de preocupação em termos de gestão ambiental nos estados e nas cidades no entorno do Bioma”, avalia o especialista.
Outra preocupação apontada na nova Coleção do MapBiomas refere-se ao mosaico de unidades de conservação e também os territórios tradicionais indígenas. “Observamos um aumento de pressão sobre essas áreas, os quais são responsáveis pela manutenção da vegetação nativa e, consequentemente, seus componentes de biodiversidade”, acrescenta o coordenador para a Caatinga do MapBiomas.
Maior concentração de desmate é na agropecuária
Ao longo desses 37 anos, segundo Washington Franco, há o entendimento dos processos que vem causando pressões ambientais dentro do bioma Caatinga. “A percepção que se tinha estava focada muito na questão da queima de lenha a partir de árvores típicas da região, principalmente na região do Polo Gesseiro, na Chapada do Araripe, nos estados de Pernambuco e Piauí”, lembra.
No entanto, apesar de a prática continuar sendo preocupante, o volume de dados coletados mostra uma nova forma de desmatamento concentrados em áreas específicas destinadas à agropecuária, especialmente na agricultura.
“Nesses 37 anos, mais de 1.500% de ampliação de áreas foram para a agricultura, não representam áreas grandes, mas em termos de percentual mostra uma tendência e já impacta, causa pressão em termos de integridade do Bioma. Então, acho que essa informação nova que traz do estudo, é importante. Não deixa de ter a preocupação com a questão da queima de lenha, queima de árvores nativas para a produção de lenha de carvão, mas há outros processos que mostram uma dinâmica muito mais relevante que podem afetar a integridade do bioma”, pontua.
Em termos de proporção de vegetação nativa, os estados de Sergipe e Alagoas na região Nordeste são os que apresentaram menor valor. Também Sergipe e Alagoas têm maior proporção de pastagens em seu território.
“Podemos verificar que, em termos de mudanças de 1985 a 2022, as perdas nesses dois estados foram diferentes. Enquanto que em Sergipe foi substituída, ou seja, perde área para agricultura, em Alagoas a perda de vegetação nativa se explica pelo aumento de pastagens. Foi a pastagem que cumpriu esse papel da perda de vegetação natural”.
A “invasão” pelo Brasil
Não somente na Caatinga observa-se o avanço da agropecuária. Em todos os biomas brasileiros entre 1985 e 2022 ocorreu tal crescimento. A exceção fica por conta da Mata Atlântica, o bioma mais desmatado do país, onde os dois terços do território ocupados por essas atividades permaneceram estáveis nas últimas duas décadas.
Na Amazônia, a área ocupada pelo agro saltou de 3% para 16%; no Pantanal, de 5% para 15%; no Pampa, de 29% para 44%; na Caatinga, de 33% para 40%. No Cerrado, as atividades agropecuárias agora ocupam metade do bioma (50%); em 1985, era um pouco mais de um terço (34%).
Em todo o Brasil, a área ocupada por atividades agropecuárias passou de cerca de um quinto (22%) para um terço (33%) do Brasil. As pastagens avançaram sobre 61,4 milhões de hectares entre 1985 e 2022; a agricultura, sobre 41,9 milhões de hectares.
As imagens de satélite mostram relação forte da dinâmica de ocupação de solo de agricultura e de pecuária. Entre 1985 e 2022, 72,7% dos 37 milhões de hectares do crescimento da área de agricultura no Brasil se deram sobre áreas já antropizadas, especialmente pastagens.
Arcos de desmatamento
Atualmente, dois novos arcos do desmatamento se destacam em pólos de forte expansão agrícola: no oeste da Amazônia, a fronteira entre Amazonas, Rondônia e Acre, conhecida como Amacro, onde o uso agropecuário aumentou 10 vezes nos últimos 38 anos, chegando a 5,3 milhões de hectares, que equivalem a 21% da área do território e a região do Cerrado nordestino, a Matopiba, onde a agropecuária aumentou 14 milhões de hectares, chegando a 25 milhões de hectares em 2022, equivalentes à 35% do território.
O novo conjunto de dados de cobertura e uso da terra do MapBiomas traz dados sobre 29 classes de uso e uso da terra, incluindo as versões beta de áreas de dendê e floresta alagável. Um dos dados que mais se destaca é o avanço da cultura de soja, que se deu em todos os biomas. Entre 1985, essa cultura passou de 4,5 milhões de hectares para 39,4 milhões de hectares em 2022 – área comparável a duas vezes o território do Paraná.
A soja avançou 3,1 milhões de hectares no Pampa, 18 milhões de hectares no Cerrado, 5,8 milhões de hectares na Amazônia e 8 milhões de hectares na Mata Atlântica. “O Pantanal e o Pampa são exemplos de biomas naturalmente aptos para a pecuária, pois seus campos são como pastagens naturais. Nos dois casos, o avanço da soja representa uma degradação do bioma”, alerta Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
Matopiba
Para Marcos Rosa, a região do Cerrado nordestino, conhecida como Matopiba, fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia vem sofrendo uma grande pressão, um processo localizado, onde a agropecuária aumentou 14 milhões de hectares, chegando a 25 milhões de hectares em 2022, equivalentes à 35% do território e, especialmente, para o cultivo da soja.
“Nessa fronteira, é intenso o processo de conversão de áreas naturais, principalmente, para o plantio de grãos de soja e aí tem uma discussão que o Governo Federal está levando o plano de combate ao desmatamento do cerrado, por que existe a necessidade de se planejar melhor essa região, como identificar áreas que precisam ser conservadas. Nessa região tem muito desmatamento que é legal, ele é autorizado por que a lei permite o desmatamento. Então, como compensar as propriedades áreas que teriam direito a desmatar e que não fizeram desmatamento. É preciso toda uma discussão para identificar áreas prioritárias, modificação da legislação para poder conter essa alta que acontece na região do Matopiba”.
Código Florestal
O período do avanço das perdas de vegetação nativa no Brasil e ,em todos seus biomas, coincide com a vigência do novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso em 2012. A análise das imagens de satélite mostra que no período de 5 anos antes da aprovação do Código Florestal (2008-2012) houve uma perda de 5,8 milhões de hectares.
Nos cinco anos seguintes à aprovação do código (2013-2018), a perda aumentou para 8 milhões de hectares. Nos últimos 5 anos (2018-2022), alcançou 12,8 milhões de hectares, um aumento de 120% em relação a 2008-2012.
“Analisando a evolução anual da perda de cobertura de vegetação nativa agrupadas em períodos de 5 anos desde 1992, quando foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, o período de maior perda foi aquele imediatamente antes da aprovação do Código Florestal em 2012. Mas desde então a perda se acelerou ainda mais, com aumento do desmatamento. Estamos nos distanciando, em vez de nos aproximar do objetivo de proteger a vegetação nativa brasileira previsto no Código Florestal e do compromisso de zerar o desmatamento até o final desta década”, explica Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
Os dados desde 1985 até 2022, por sua vez, mostram uma perda de 96 milhões de hectares de vegetação nativa – uma área equivalente a 2,5 vezes a Alemanha. A proporção de vegetação nativa no território caiu de 75% para 64% no período.
De tudo que foi antropizado em cinco séculos no país, 33% foram antropizados, ou seja, convertidos para algum uso humano, como cidades ou atividades agropecuárias, nos últimos 38 anos. Esse processo se deu mais fortemente na Amazônia e Cerrado, onde 52 milhões de hectares (equivalente à área da França) e 31,9 milhões de hectares foram antropizados nesse intervalo. Proporcionalmente à vegetação existente em 1985, os biomas que mais perderam vegetação nativa até 2022 foram o Cerrado (25%) e o Pampa (24%).
No contraponto, a necessidade da segurança alimentar
Para José Damico, especialista em Inteligência Artificial, Big Data, Analytics, Segurança da Informação e CEO da AgTech SciCrop, a urgência da produção de alimentos para o mundo é muito grande e, esse conflito a partir de o avanço do desmatamento para a agropecuária, é algo que causa preocupação pela sua velocidade.
“Acredito que essa aceleração do desmate em todos os biomas brasileiros relaciona-se a um movimento político, do empoderamento da direita em recente período, principalmente, nos últimos quatro anos, com diminuição de multas, entre outras falhas na execução da legislação”, opina.
Damico defende que o setor agropecuário no Brasil deva fazer a transição para uma agricultura sustentável e de baixo carbono e deixar a monocultura para o passado.
”Existe a necessidade da disrupção. Mas, na atualidade, tal disrupção está sendo letal”, diz. “O próprio crescimento legal estimula fazer um desmatamento ilegal”, alerta.Em sua opinião, os setores produtivos e as políticas públicas deveriam fazer mais uso de tecnologias de ponta, monitoramento eficiente e aplicação rígida da legislação ambiental vigente.
Para o especialista em Big Data, os dados do MapBiomas, coletados a partir do Landsat, evidenciam um crescimento insustentável, mas, necessário para a produção de alimentos, diante da falta de alimentos no Brasil e no mundo, inserindo nesse contexto, a guerra Ucrânia e Rússia.
“O Brasil é enorme. Maior sumidouro de carbono do mundo, com uma matriz energética em processo veloz de transformação, maior reserva de água subterrânea, então, para que todos esses ativos possam, de fato, serem transformados em riquezas para seu povo, para o Nordeste, em especial, é preciso também que ocorra uma transformação cultural”, acrescenta ao expor que biomas como a Caatinga ainda é invisível, para a maioria, tanto relacionado às pessoas que ali moram e vivem, como também suas riquezas naturais e biodiversidade.
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