Reforma tributária pode ter “cashback” de impostos com critérios de renda, gênero e raça
Um dos defensores da adoção de um modelo de “cashback” na reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) quer incluir no substitutivo a ser analisado pelos parlamentares um dispositivo que prevê que o instrumento seja utilizado na devolução do imposto pago por determinados setores da população.
Em entrevista concedida ao InfoMoney na última sexta-feira (9), Lopes argumentou que o “cashback” seria um importante aliado no combate à regressividade do sistema tributário brasileiro − que hoje permite que a parcela mais rica pague proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres. Embora não esteja em debate uma redução da participação dos tributos indiretos sobre a arrecadação geral, o que teria um impacto mais significativo sobre a progressividade.
“O cashback é extremamente importante para atender as pessoas de menor poder econômico. Os mais ricos já têm cashback. As pessoas que fazem declaração de Imposto de Renda têm as restituições. E quem não tem nenhuma restituição são os mais pobres. O Brasil é muito injusto. Nós temos um sistema tributário que a maior arrecadação vem dos impostos sobre consumo. Nós arrecadamos a metade sobre renda e patrimônio do que arrecadam os países da OCDE”, argumentou o parlamentar.
Assista à íntegra da entrevista pelo vídeo acima ou clicando aqui.
Países com sistemas tributários considerados mais justos costumam ter uma menor fatia de tributação sobre o consumo e uma maior participação dos impostos sobre renda e patrimônio sobre a arrecadação. Esta é uma bandeira histórica de partidos de esquerda, mas que enfrenta um grande desafio no caso brasileiro, já que se trata de um país de renda média, com nível de desenvolvimento abaixo das economias usadas como referência para o modelo.
Nas discussões recentes sobre a reforma tributária, o modelo de “cashback” começou a ser mencionado como uma forma de compensação e garantia de maior focalização para benefícios tributários a camadas menos favorecidas da população em comparação com a desoneração dos produtos da cesta básica atualmente em vigor.
O principal defensor do desenho é o secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy − um dos maiores especialistas no debate sobre impostos sobre consumo no país e que foi chamado para integrar a equipe econômica do governo em um aceno de que a pauta da mudança de regime é uma prioridade da nova gestão.
O fim da desoneração de produtos da cesta básica e a implementação do “cashback” para os mais pobres, contudo, não é unanimidade no Congresso Nacional. A bancada ruralista, por exemplo, teme que o aumento de impostos sobre alimentos prejudique o setor.
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) conta atualmente com 292 deputados federais e 41 senadores e é uma das mais coesas e atuantes na atual legislatura. Considerando que a reforma tributária em discussão é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), com exigência de quórum mínimo de 3/5 em cada casa legislativa, é impossível aprová-la com a resistência do agro.
O Grupo de Trabalho criado na Câmara dos Deputados para discutir a reforma tributária aprovou, na semana passada, com voto favorável de 11 de seus 13 integrantes, um relatório com 12 diretrizes para a construção do substitutivo para a PEC em plenário.
Dentre uma série de pontos, o texto sugere alíquotas diferenciadas para bens e serviços relacionados a setores com saúde, educação, e transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano e aviação regional, além da produção rural − em um aceno relevante ao setor. Além disso, o texto deixa em aberto a avaliação da possibilidade de se manter o tratamento diferenciado aos produtos da cesta básica.
Na seção que trata do “cashback”, o documento se limita a dizer que o Grupo de Trabalho “recomenda que se preveja um sistema de cashback, definindo-se posteriormente qual o público elegível a ser beneficiado, como instrumento para a implementação de progressividade na tributação do consumo”, e cita algumas contribuições dadas por integrantes do colegiado.
Durante a entrevista ao InfoMoney, Reginaldo Lopes disse que a oneração (ainda que parcial) de produtos da cesta básica e a devolução de impostos a grupos específicos da população seria uma política mais eficiente, já que parcelas mais ricas deixariam de ter benefício fiscal ao consumir tais itens.
O parlamentar diz que não defende o uso da alíquota padrão do novo modelo sobre os alimentos, mas que haja uma taxa intermediária, que poderia ser associada ao “cashback”. Os critérios para a população contemplada pelo benefício seriam definidos por lei complementar.
Ele alega que o modelo não deveria definir os produtos passíveis de devolução, mas sim o valor da compra. E o sistema de devolução poderia utilizar de tecnologia já desenvolvida, seja pelo cartão do Bolsa Família, seja pelo PIX ou depósito em conta bancária.
“Hoje o Brasil tem tecnologia suficiente para garantir, com muita transparência e eficiência a devolução desses recursos”, disse.
Segundo o parlamentar, mesmo que não haja uma inclinação do Congresso Nacional em eliminar a desoneração dos produtos da cesta básica, a filosofia do “cashback” pode ser utilizada em outras situações na reforma tributária, garantindo a devolução parcial de tributos pagos por grupos específicos.
Ele citou como exemplo produtos e serviços que zelem pela questão ambiental e a sustentabilidade, além da possibilidade de concessão do benefício com recortes racial e de gênero.
“Hoje, as mulheres pagam mais impostos do que os homens em seus produtos”, pontuou. “Vamos ter alíquota padrão [no novo modelo], mas ainda podemos devolver [parte dos impostos] para as mulheres de menor poder econômico, para os negros de menor poder econômico. E pode ter um cashback de produtos mais saudáveis e na questão do meio ambiente e da sustentabilidade”.
“O cashback é um bom mecanismo. Hoje os ricos, ao chegar a um shopping, têm cashback para fazer suas compras. Queremos também dar para os pobres cashback e devolver parte dos impostos que são pagos”, argumentou.
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