Agro, indústria e serviços: como cada setor quer mudar a reforma tributária no Senado

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As discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019) começaram a ganhar corpo no Senado Federal, com a realização da primeira audiência pública sobre o assunto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e após o relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), apresentar o plano de trabalho na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa legislativa.

Embora haja uma expectativa de que a matéria tenha tramitação concluída no Congresso Nacional ainda em 2023, as apostas no mundo político e entre atores econômicos é que ajustes ainda deverão ser promovidos pelos senadores ‒ o que exigirá nova análise por parte da Câmara dos Deputados.

Por se tratar de PEC, é necessária apreciação pelos plenários de cada casa legislativa em dois turnos, com quórum mínimo de 3/5 (ou seja, 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores) em cada um. A proposta vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. Ela somente vai à promulgação quando superadas as divergências de mérito.

Apesar de o desconforto com o modelo vigente no país há décadas ser unanimidade entre os setores econômicos, ainda há uma série de arestas a serem aparadas durante a os debates no Senado Federal.

De um lado, já se espera um aprofundamento da discussão no âmbito federativo, sobretudo com as questões da governança do Conselho Federativo e os detalhes das regras de distribuição dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

De outro, os diferentes atores econômicos ainda tentam implementar alterações na versão aprovada há pouco mais de um mês pelo plenário da Câmara dos Deputados. Parte dessas demandas foi exposta por representantes dos principais setores nesta semana durante debate na CAE.

No geral, todos dizem apoiar uma mudança no sistema tributário brasileiro, mas uns estão mais contentes do que outros com o texto à mesa. É o caso da indústria, que se vê muito mais atendida do que representantes dos serviços e comércio, que manifestam preocupação com o risco de aumento de carga para o setor, em razão da percepção de baixa disponibilidade de créditos para abater ao longo da cadeia.

Há, contudo, sugestões que são consenso de todos os setores representados na audiência pública. Uma delas diz respeito a ajustes na formatação do Imposto Seletivo (IS), que deverá ser aplicado a bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (o que lhe rendeu o apelido de “imposto do pecado”), em lista a ser definida por lei complementar.

Uma das ideias seria ampliar a decisão de não incidência, por enquanto aplicada sobre alimentos e insumos agropecuários, também para insumos de serviços e da indústria.

Além disso, os setores dizem que é necessário impedir qualquer risco que o novo tributo gere cumulatividade (isto é, a possibilidade de o tributo pago passe a figurar na base da cobrança em outra etapa da cadeia produtiva, no chamado “efeito bola de neve”) ‒ um dos princípios norteadores da reforma com a implementação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual.

Outro ponto de consenso entre representantes da agropecuária, da indústria, do comércio e dos serviços é a defesa pela revogação de dispositivo aprovado pelos deputados que abriu caminho para que Estados e o Distrito Federal instituam um novo tributo sobre produtos primários e semielaborados. A interpretação vigente é que a nova contribuição permitiria que governos estaduais tributassem petróleo, minério de ferro, gás, energia e produtos agrícolas destinados à exportação.

Mas também há divergências entre os pleitos apresentados. Enquanto representantes da indústria chamaram atenção para o impacto do conjunto de exceções ao texto sobre a alíquota final paga por todos os consumidores, integrantes do agronegócio e do setor de serviços ainda pedem concessões.

Veja a seguir as principais demandas de cada entidade setorial:

Indústria

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), representada por seu gerente executivo de economia, Sérgio Carraro Telles, elogiou o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, destacando as evoluções que a implementação de um IVA dual poderá trazer para o sistema tributário brasileiro, especialmente com a simplificação do modelo, a esperada redução do contencioso jurídico e administrativo, o fim da cumulatividade e a eliminação de distorções que, na sua avaliação, vem prejudicando o setor há décadas.

Mas a instituição apresenta ressalvas em relação ao desenho do Imposto Seletivo, de modo a garantir isenções específicas e respeitar a impossibilidade de o chamado “efeito cascata” tão combatido pelo restante da reforma tributária, além da brecha para contribuições cobradas por Estados, que vão na contramão dos princípios buscados na PEC.

“O que veio da Câmara resolve uma das grandes distorções do sistema tributário brasileiro, que prejudica a economia como um todo, que é a chamada cumulatividade. É o fato de o meu fornecedor pagar um tributo e eu não me creditar dele. Isso retira nossa competitividade nas exportações e na competição no mercado interno com os importados”, avaliou Telles.

“Com o fim da cumulatividade e a restituição rápida dos saldos credores, nós garantimos a desoneração completa das exportações, o equilíbrio na concorrência com o importado dentro do nosso mercado e a desoneração dos investimentos”, pontuou.

A CNI destaca que, de 2006 a 2022, as vendas do comércio brasileiro cresceram quase 80%, ao passo que a produção da indústria nacional de transformação caiu 6%. O déficit da balança comercial de manufaturados passou de US$ 43 bilhões em 2008, para US$ 128 bilhões no ano passado.

Segundo a entidade, trata-se de um indicativo dos efeitos econômicos de um sistema tributário que promove distorções e prejudica o desenvolvimento do país. Pelos cálculos da confederação, se o país conseguisse retornar aos níveis de déficit comercial de manufaturados de 15 anos atrás, haveria um aumento da produção industrial de R$ 540 bilhões e geração de 3,7 milhões de empregos.

Apesar dos elogios à PEC que chega para análise dos senadores, o setor chama atenção para os possíveis impactos de exceções à regra para o imposto a ser pago por todos no novo regime. Nos cálculos da instituição, a alíquota-padrão já cresceria de 23% para 27% apenas com as mudanças implementadas ao longo da discussão do texto pelos deputados.

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“Toda vez que se dá benefício para um, quem está na regra geral paga mais. Sem contar com a questão do litígio. Daqui a pouco vai começar a discussão se determinado bem está na alíquota reduzida ou na outra”, alertou o economista.

Agricultura

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), representada pelo coordenador de seu núcleo econômico, Renato Conchon, elogiou mudanças implementadas pelos deputados ao texto ao longo da tramitação da matéria, permitindo alíquotas diferenciadas para o setor, regime especial para relações contratuais de integração e não incidência de imposto seletivo sobre insumos agropecuários.

O setor, visto como um dos mais contemplados nas discussões da matéria em razão do peso da bancada no parlamento, agora luta para que não haja perdas em relação ao que foi conquistado, mas também pleiteia novas concessões no Senado Federal.

Uma delas consiste na ampliação da alíquota diferenciada para um desconto de 80% em relação ao percentual cobrado na padrão. Inicialmente, a ideia do relator na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era de 50%, mas ela logo foi ampliada para 60%.

“Olhando a literatura internacional, se estamos falando de uma alíquota-padrão de 25%, com o desconto de 60%, teremos uma alíquota de 10%. O Brasil será um grande produtor de alimentos e será o país que mais cobra imposto sobre alimentos à sua população”, argumentou Conchon.

O setor argumenta que a mudança seria importante para garantir preços mais baixos de alimentos para as famílias e um impacto inflacionário menor ‒ embora a expectativa seja de que parcela importante destes produtos seja enquadrada na cesta básica nacional, que terá isenção do novo tributo.

A versão atual do texto em tramitação também permite que o produtor rural, inclusive pessoa jurídica, que fature até R$ 3,6 milhões por ano, opte por não ser contribuinte do novo tributo, ficando isento da cobrança. Mas a bancada ruralista pressiona para que o teto seja elevado para R$ 4,8 milhões, sob a alegação de que produtores que ficassem na faixa entre R$ 3,6 milhões e R$ 4,8 milhões enfrentariam um aumento de burocracia no novo regime.

Os deputados também aprovaram imunidade tributária sobre produtos exportados, com restituição dos créditos acumulados, não incidência de Imposto Seletivo sobre bens e serviços contemplados com tratamento diferenciado de alíquota, alíquota zero para produtos hortícolas, frutas e ovos.

Outra demanda do setor agropecuário é que não haja incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) no caso de sucessão familiar nas pequenas propriedades rurais e entre parentes de primeiro grau. A alegação é que, em muitos desses casos de sucessão, as famílias não têm condições de fazer inventário em razão do montante do imposto ‒ o que também poderia gerar preocupação de êxodo rural.

Em documento divulgado há duas semanas, a frente parlamentar agropecuária também apresentou no rol de aperfeiçoamentos recomendados para o texto a não possibilidade de estorno de créditos de exportação e a garantia de restituição em até 60 dias, além de maior segurança jurídica para o instrumento do Imposto Seletivo (com limites de incidência e carga), da inclusão de créditos acumulados do PIS/Cofins e redução do prazo no caso do ICMS e dispositivo que impeça qualquer aumento do tributo estadual durante o período de transição de regimes.

O texto aprovado pelos deputados também permite que o IPVA tenha alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental dos veículos considerados. Neste caso, a bancada ruralista pede que os parlamentares se atentem aos impactos sobre a produção de combustível.

Serviços

A Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), representada pelo economista Fábio Bentes, criticou a “pressa” da Câmara dos Deputados na discussão sobre a reforma tributária e manifestou preocupação com o risco de aumento de carga tributária para segmentos da economia relacionados ao comércio e à prestação de serviços.

“Chegamos a um limite no qual o setor produtivo não consegue mais suportar aumento de carga tributária”, afirmou.

“No setor de serviços, há uma preocupação muito grande em relação a um eventual aumento da carga tributária. A ideia é que a carga tributária pode, de fato, ficar estável em cerca de 1/3 do PIB, mas ela pode sobrecarregar um setor em detrimento de outro”, pontuou.

O setor destaca o fato de que a alíquota-padrão estimada em 25% faria do Brasil um dos países com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) mais elevado do mundo e indica como nível de equilíbrio para o setor terciário a faixa de 10,7%.

Uma das sugestões apresentadas pela confederação é a inclusão de dispositivo por ela batizado de “emenda do emprego”, que possibilitaria a utilização de despesas com folha de pagamento no sistema de liberação de créditos tributários. A iniciativa reduziria impactos a atividades intensivas em mão de obra. Nos cálculos da CNC, ela teria um potencial de redução da apuração tributária de algumas empresas em até 37%.

A equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem indicado disposição em rediscutir a incidência de impostos sobre a folha de pagamento, mas em outra etapa da reforma tributária, sem misturá-la ao debate dos tributos sobre o consumo ‒ o que tem provocado ansiedade no setor, que vê risco de prejuízos na versão da PEC em discussão.

Também contou com representante na audiência pública no Senado Federal a União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (UNECS), que reúne Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (Afrac), Associação Nacional Comerciantes Material Construção (Anamaco), Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil).

Representada por seu presidente, João Carlos Galassi, a entidade apresentou uma série de sugestões de modificações na proposta aprovada pelos deputados. Entre elas estão a incorporação de todos os produtos de higiene (e não apenas os de uso pessoal) no grupo de produtos contemplados pela alíquota reduzida em 60% da padrão, assim como de bens e serviços relacionados a sistemas de gestão do comércio e para conformidade fiscal e contábil.

A entidade pede a possibilidade de geração de créditos a partir da folha de pagamento; a garantia do aproveitamento dos saldos credores de IPI e PIS/Cofins; a redução do prazo de aproveitamento dos saldos credores do ICMS; a definição de alíquota máxima a ser cobrada por cada ente federado; a retirada de dispositivo que permite cobrança estadual de contribuição sobre produtos primários e semielaborados e a supressão de trechos relativos ao IPTU e ao ITCMD (estes últimos por se tratarem, na avaliação da instituição, de assuntos desconexos aos pontos da reforma tributária em discussão).

Quanto ao Imposto Seletivo, a UNECS sugere que seria mais eficiente criar uma nova alíquota para a CBS e o IBS em percentual superior à padrão, de modo a estabelecer efeito semelhante ao desejado para a cobrança de bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente.

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Marcos Mortari

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