Haddad: Se BC não tivesse cortado Selic em 0,5 ponto percentual, teríamos grave problema na economia
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que o Brasil ainda vai viver com uma política monetária contracionista por um longo período, a julgar pelo ritmo do afrouxamento monetário indicado pelo Banco Central e a taxa de juros neutra calculada pela instituição.
Em entrevista concedida ao jornalista Reinaldo Azevedo, transmitida nesta segunda-feira (14), o chefe da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, no entanto, que, se o BC não tivesse decidido cortar a Selic em 0,5 ponto percentual na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o país poderia ter um “problema grave” na economia.
“Esse corte de 0,5, do ponto de vista técnico, de economia pura, se não viesse, nós íamos ter um problema grave na economia. Em julho, a arrecadação despencou no Brasil inteiro – e ela já vem desacelerando desde abril fortemente”, afirmou.
“E, do ponto de vista político, talvez você começasse a ter pessoas que votaram na autonomia dizendo o seguinte: ‘Espere aí, acho que erramos’”, continuou.
Durante a entrevista, Haddad disse que o Brasil tem um “viés impressionante” de pagar juros mais elevados do que outros países do mundo, sejam eles mais ou menos desenvolvidos.
“O Banco Central diz que a chamada taxa neutra de juro real gira em torno de 4,5% e 5%. Vamos dizer 4,5%. Se a inflação é 4%, 8,5% é neutro. Significa que tudo acima de 8,5% é recessivo. É contracionista. Então, se você cortar 0,5 [ponto percentual], a pergunta que faço é a seguinte: quanto tempo vamos levar para chegar ao juro neutro cortando 0,5 [ponto] por reunião, sendo que são oito por ano?”, questionou.
“Cortando, 0,5 [ponto], nós vamos viver um longo processo contracionista”, disse.
Na conversa, o ministro da Fazenda admitiu que o governo Lula e o Banco Central viveram seu momento de maior tensão entre abril e junho, quando sua pasta começou a verificar os efeitos do aperto monetário sobre a atividade econômica e o nível de arrecadação federal e dos entes subnacionais.
“Uma coisa nos surpreendeu: a demora no corte de juros. Por que o governo ficou angustiado com a demora? Porque, óbvio… Havia razões para o corte de juros. Nós vínhamos dizendo: ‘não podemos nos iludir com PIB do primeiro trimestre. O PIB do primeiro trimestre é agro. Em abril, vai começar uma desaceleração muito forte no Brasil’”, afirmou.
“Veio a desaceleração e não veio o corte de juros. Esse período entre abril e julho foi o momento de maior tensão com o Banco Central”, disse.
“Se não viesse o corte de agosto, eu não sei o que nós íamos fazer. O Banco Central foi até a décima hora…”, prosseguiu.
Mas Haddad disse que o fato de o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, ter sido o responsável pelo voto de desempate que possibilitou um corte de 0,5 ponto percentual (e não um corte mais tímido, de 0,25 p.p.) não o surpreendeu.
“Não me surpreendeu porque, nos dias que antecederam o Copom, eu só falava de 0,5. Era imperativo. Os dados de arrecadação de julho foram péssimos para o país inteiro. Os dados do estado de São Paulo, o mais rico da federação, péssimos. Ou seja, estava claro que o primeiro trimestre tinha iludido algumas pessoas sobre a realidade da economia brasileira”, disse.
E confessou que, a demora do BC em realizar o corte nos juros trouxe a ele uma preocupação sobre a capacidade de o governo em entregar os resultados fiscais prometidos para 2024, com a zeragem do déficit, como sinalizado no projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) ‒ ainda pendente de aprovação final pela Câmara dos Deputados.
Questionado se apoiava ou não a autonomia da autoridade monetária, Haddad foi franco em dizer que, se fosse parlamentar jamais teria aprovado o projeto sob as circunstâncias do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem chegou a se referir como um “lunático” e “psicopata”.
“Eu não votaria, naquela circunstância, jamais pela autonomia por causa do Bolsonaro. Não é o Lula passando bastão para o Fernando Henrique, o Fernando Henrique passando o bastão para o Lula. É diferente isso. Você está com um lunático na presidência da República. Olhe o que está acontecendo, todo dia tem notícia do cara. Não caiu a ficha que corremos o maior risco da história do Brasil? Nós estávamos na mão de um psicopata, que é capaz de qualquer coisa”, disse.
O ministro afirmou que julgava mais adequado que a lei aprovada previsse o encerramento do mandato do presidente do Banco Central no final do primeiro ano do novo presidente ‒ e não no segundo.
Ele argumentou que, da forma como foi redigido o texto, o comandante da autarquia indicado pelo governo anterior terá capacidade de influenciar sobre a política monetária durante mais da metade da administração seguinte, uma vez que os efeitos dos juros são normalmente sentidos pelo 12 meses após sua implementação na economia.
Durante a entrevista, Haddad também disse que nesta semana a Fazenda irá inaugurar um grupo de estudo, com “acadêmicos que não são do mercado”, para dizer “como se combate a inflação fora do Brasil, em países mais ou menos desenvolvidos”. A conversa foi gravada na última sexta-feira (11), pouco após o governo lançar o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
“Vamos inaugurar semana que vem um grupo de estudo, com acadêmicos que não são do mercado, para dizer como se combate a inflação fora do Brasil, em países mais ou menos desenvolvidos. Porque todos pagam menos juros que o Brasil. Então vamos começar a querer saber o que está acontecendo”, disse.
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