Incentivos dos Estados com ICMS devem chegar a R$ 232,5 bilhões em 2023
Os governadores dos 26 Estados e do Distrito Federal estimam que os incentivos fiscais concedidos apenas sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) corresponderão a uma renúncia total de receitas de R$ 232,49 bilhões em 2023.
O montante representa 20% de tudo que os entes esperam arrecadar no ano até dezembro e supera em R$ 57,49 bilhões o orçamento total do novo Bolsa Família (com repasses mensais de pelo menos R$ 600 e valores adicionais para famílias com crianças e gestantes), implementado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste ano.
Trata-se de um claro indicativo da dimensão que alcançou a chamada “guerra fiscal”, travada entre os estados para atrair empresas em troca de incentivos pouco eficientes para a economia ‒ hoje um dos principais pontos de discussão e focos de atrito no âmbito da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional.
Se nada for feito e as estimativas dos Executivos estaduais se confirmarem, as renúncias fiscais saltarão para R$ 259,50 bilhões em 2024 e R$ 273,47 bilhões no ano seguinte. Um caminhão de recursos que, na avaliação de especialistas, prejudica a competitividade de setores econômicos do país e gera distorções e complexidade em todo o sistema tributário.
Os números são resultado de um levantamento exclusivo feito pelo InfoMoney junto às secretarias de Fazenda e Planejamento de todas as unidades federativas do país. Algumas pastas não responderam à solicitação da reportagem ou informaram não ter projeções disponíveis para o período desejado. Nesses casos, foram utilizadas informações apresentadas pelos próprios governos nas respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs), conforme prevê a legislação em vigor.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) determina que as peças orçamentárias encaminhadas pelo Poder Executivo, em qualquer esfera de governo, sejam acompanhadas de documento com demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, além de medidas compensatórias.
O levantamento feito junto às secretarias estaduais de Fazenda e Planejamento mostra que, em números absolutos, São Paulo é o líder em volume de incentivos fiscais previstos para este ano: R$ 79,60 bilhões ‒ o que corresponde a 25% de tudo que o estado espera arrecadar no período (R$ 317,41 bilhões).
Na sequência, aparece Santa Catarina, estado com pouco mais de 15% da população e das receitas de São Paulo, mas que projeta R$ 20,26 bilhões em incentivos fiscais via ICMS em 2023 ‒ o equivalente a 38% do total de receitas previsto para o período. O montante supera em R$ 858,99 milhões os benefícios concedidos pelo Rio de Janeiro e R$ 4,27 bilhões pelo Paraná.
Já em termos proporcionais, o Amazonas se destaca com um volume de benefícios de ICMS equivalente a 62% de toda a receita estimada neste ano. O Estado tem características próprias por contar com a Zona Franca de Manaus, cujos benefícios foram mantidos na versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados no início do mês.
Na mesma lista, ganham destaque Goiás (35%), Mato Grosso (31%) e Mato Grosso do Sul (25%). No “top 10” das Unidades Federativas, 8 são das regiões Sul, Sudeste ou Centro-oeste. Além do Amazonas, apenas a Paraíba entra na lista, com 20% de incentivos do ICMS em relação ao total estimado de receitas em 2023, em uma indicação da proeminência geográfica na “guerra fiscal”.
Veja os detalhes na tabela abaixo:
UF | Receitas totais em 2023 (A)* | Desonerações 2023 (B)* | % (B/A) | Desonerações 2024 | Desonerações 2025 | População total (Censo 2022) |
AM | R$ 26.708,81 | R$ 16.472,78 | 62% | R$ 18.017,10 | R$ 19.071,72 | 3.941.175 |
SC | R$ 52.675,06 | R$ 20.260,00 | 38% | R$ 21.644,57 | R$ 22.843,64 | 7.609.601 |
GO | R$ 39.597,17 | R$ 13.747,10 | 35% | R$ 14.785,26 | R$ 15.359,49 | 7.055.228 |
MT | R$ 34.865,25 | R$ 10.975,02 | 31% | R$ 10.774,64 | R$ 11.874,44 | 3.658.813 |
PR | R$ 56.645,12 | R$ 15.986,70 | 28% | R$ 20.337,24 | R$ 21.395,42 | 11.443.208 |
MS | R$ 22.030,79 | R$ 5.588,36 | 25,4% | R$ 5.878,95 | R$ 6.172,90 | 2.756.700 |
SP | R$ 317.408,40 | R$ 79.598,43 | 25,1% | R$ 84.205,11 | R$ 89.404,86 | 44.420.459 |
DF | R$ 26.861,64 | R$ 5.864,83 | 22% | R$ 8.541,67 | R$ 8.877,53 | 2.817.068 |
PB | R$ 15.242,76 | R$ 3.036,40 | 20% | R$ 3.552,45 | R$ 3.752,64 | 3.974.495 |
RJ | R$ 102.347,25 | R$ 19.401,01 | 19% | R$ 21.939,35 | R$ 22.818,91 | 16.054.524 |
AL | R$ 13.609,62 | R$ 2.027,36 | 15% | R$ 2.258,60 | R$ 2.537,00 | 3.127.511 |
MG | R$ 94.054,98 | R$ 13.357,18 | 14% | R$ 15.409,82 | R$ 16.270,31 | 20.538.718 |
PE | R$ 39.588,19 | R$ 4.656,04 | 12% | R$ 6.123,89 | R$ 4.533,29** | 9.058.155 |
BA | R$ 66.525,31 | R$ 6.257,41 | 9% | R$ 6.970,68 | R$ 7.323,40 | 14.136.417 |
ES | R$ 28.826,44 | R$ 2.666,25 | 9% | R$ 2.799,33 | R$ 2.929,71 | 3.833.486 |
RS | R$ 54.840,18 | R$ 4.811,61 | 9% | R$ 5.244,17 | R$ 5.552,11 | 10.880.506 |
CE | R$ 32.216,88 | R$ 2.319,21 | 7% | R$ 4.739,08 | R$ 5.017,97 | 8.791.688 |
MA | R$ 22.475,54 | R$ 1.270,00 | 6% | R$ 1.335,00 | R$ 2.496,54 | 6.775.152 |
RN | R$ 15.247,87 | R$ 822,69 | 5% | R$ 865,16 | R$ 917,85 | 3.302.406 |
TO | R$ 12.883,81 | R$ 620,65 | 5% | R$ 675,41 | R$ 729,90 | 1.511.459 |
AP | R$ 8.944,49 | R$ 383,56 | 4% | R$ 407,16 | R$ 417,94 | 733.508 |
PA | R$ 32.070,30 | R$ 1.325,02 | 4% | R$ 1.533,14 | R$ 1.629,73 | 8.116.132 |
AC | R$ 8.398,78 | R$ 322,01 | 4% | R$ 333,29 | R$ 343,63 | 830.026 |
PI | R$ 16.575,47 | R$ 408,03 | 2% | R$ 166,45 | R$ 175,77 | 3.269.200 |
RO | R$ 14.334,38 | R$ 259,73 | 2% | R$ 892,27 | R$ 941,07 | 1.581.016 |
RR | R$ 6.443,39 | R$ 52,62 | 1% | R$ 68,51 | R$ 84,49 | 636.303 |
SE | R$ 13.146,12 | R$ 0,00 | 0% | R$ 0,00 | R$ 0,00 | 2.209.558 |
Total | R$ 1.174.563,99 | R$ 232.490,00 | 20% | R$ 259.498,30 | R$ 273.472,26 | 203.062.512 |
* Em R$ milhões
** A Secretaria de Fazenda de Pernambuco enviou apenas projeções até 2024. Sendo assim, para 2025, esta reportagem optou por utilizar as projeções que constam da LDO de 2023. O número é provavelmente menor do que hoje a pasta deve estimar, mas ajuda a trazer maior realismo às projeções agregadas. O mesmo expediente foi adotado em outros casos, o que aumenta a probabilidade de a estimativa total de incentivos ser ainda maior do que a apontada na reportagem.
Fontes: Secretarias estaduais de Fazenda, Finanças e Planejamento, LDOs de 2023, PLDOs de 2024 e Censo 2022
Elaboração: InfoMoney
“Os números corroboram o tamanho mastodôntico que alcançou o uso do benefício tributário como arma na guerra fiscal, hoje totalmente predatória. Todos os estados fazem”, afirma o especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Rena.
Ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Salto vê nos dados também um exemplo da complexidade de se avançar com uma reforma tributária eficiente no país ‒ aumentando o risco de concessões a pleitos federativos. O economista tem sido um dos principais críticos à versão aprovada pela Câmara dos Deputados.
Na sua visão, o texto não elimina a “guerra fiscal” e prolonga a disputa entre os entes subnacionais para além do período de transição entre o regime atual e o novo sistema, mas desta vez utilizando também recursos do próprio governo federal.
“Há Estados, como São Paulo, que concedem benefícios para se proteger e evitar a saída de empresas. Outros jogam no ataque, erodindo a própria arrecadação para conseguir empregos aqui e acolá e promover deslocamentos de empresas e empreendimentos para seus territórios”, diz.
Estados com menores condições econômico-financeiras se vêem impedidos de entrar de forma efetiva na disputa e apontam a “guerra fiscal” como um modelo predatório que impede a concorrência justa e o desenvolvimento regional do país.
Com isso, empresas cada vez mais decidem onde realizar suas operações baseadas em vantagens tributárias em vez de levar em conta vantagens competitivas relacionadas aos seus próprios negócios, como a proximidade de mercado consumidor, infraestrutura adequada e disponibilidade de matéria-prima e mão de obra qualificada.
“É algo muito peculiar. Quando falamos em incentivos fiscais para o Amapá e para São Paulo, as histórias são bem diferentes. No caso do Amapá, existe uma função de desenvolvimento regional nesse incentivo, de dar uma vantagem comparativa em relação a estados com melhor infraestrutura, mercado consumidor”, disse, sob condição de anonimato, uma fonte que participa das discussões.
“Os Estados que mais têm desoneração são os mais ricos. [A guerra fiscal] É um instrumento concentrador de riqueza. Há um ganho acabar com isso”, afirma Tiago Sbardelotto, economista da XP.
Setores contemplados
O nível de transparência dos governos estaduais varia em relação ao detalhamento de informações sobre os benefícios fiscais concedidos a partir do ICMS.
Entre os entes com mais incentivos, São Paulo investe pesado em isenções para empresas que trabalham com reparação de veículos automotores e motocicletas (R$ 7,74 bilhões), indústrias de transformação (R$ 5,12 bilhões) e agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (R$ 4,16 bilhões).
Já em Santa Catarina a maior isenção é para agropecuária e pesca (R$ 885,73 milhões). Mas é em benefícios de crédito presumido que o Estado concentra o maior volume de renúncias de receitas. Entre os setores contemplados, a indústria se destaca, com custo tributário de R$ 6,51 bilhões, sendo boa parte associada a vestuário e alimentos.
No Rio de Janeiro as isenções respondem pelo maior volume de gastos tributários, com a indústria de transformação (R$ 5,76 bilhões) abocanhando a maior fatia do bolo, seguida pelo comércio envolvendo reparação de veículos automotores e motocicletas (R$ 2,67 bilhões). Os dois setores também são os maiores contemplados por benefícios via diferimento tributário e redução de alíquota.
No Amazonas, segmentos da indústria incentivados respondem pelo maior volume de benefícios fiscais (R$ 14,20 bilhões) por meio de créditos. Enquanto no Paraná operações de crédito presumido e isenção para a produção de alimentos e comércio (R$ 7,10 bilhões) se destacam. Os setores automotivo (R$ 1,40 bilhão) e metalúrgico (R$ 1,04 bilhão) também em reduções de base de cálculo.
Em Goiás, o crédito outorgado para a indústria (R$ 4,12 bilhões) e o atacado (R$ 2,34 bilhões) são as maiores fontes de gastos tributários com ICMS. E na Paraíba o posto é ocupado pela indústria (R$ 1,21 bilhão) e pelo comércio (R$ 1,59 bilhão).
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