Carros populares: incentivo pressiona plano para equilibrar contas públicas e pode não surtir efeito esperado, alertam especialistas

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Anunciado pelo governo como forma de estimular a indústria automotiva, o plano de desconto para carros populares, anunciado na última segunda-feira (5) com a publicação da Medida Provisória 1.175/2023 no Diário Oficial da União (DOU), pode representar um movimento de “sinais trocados” na agenda econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Quando foram divulgadas as linhas gerais do programa, no dia 25 de maio, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), disse que o plano do governo era oferecer descontos nos impostos federais PIS, Cofins e IPI para veículos com valor abaixo de R$ 120 mil.

A projeção é que o pacote tenha um custo fiscal de R$ 1,5 bilhão em quatro meses − metade dos R$ 3 bilhões que o governo pretende recuperar com outra medida provisória, que vai reonerar o diesel em 50% a partir de setembro. Deste total, a maior parte custeará a queda no preço de ônibus e caminhões, e R$ 500 milhões serão destinados aos carros populares, conforme anunciado no início da semana.

Para carros de até R$ 120 mil, os descontos podem variar entre 1,6% e 11,6%, o que representa um abatimento entre R$ 2 mil e R$ 8 mil. O percentual de redução obedece a três variáveis condicionantes, que levam em consideração o valor dos veículos, o nível de emissão de carbono e o índice de nacionalização, pela proporção de peças produzidas no Brasil.

Para caminhões e ônibus, o programa vai funcionar por meio de incentivo na compra e na venda dos veículos. Os descontos totais vão de R$ 33 mil até R$ 99,4 mil, conforme o tamanho do veículo e critérios de ação poluente.

O incentivo à produção de veículos que rodam a gasolina também pode ser interpretado como uma diretriz diferente da que membros do governo têm priorizado em falas sobre estimular a economia verde, desde o início do terceiro mandato de Lula.

A advogada Maria Carolina Soares, especialista em direito tributário e sócia da RMS Advogados, lembrou que há na política fiscal vigente um mecanismo de aumento dos impostos para grandes poluentes, por meio da majoração das alíquotas de IPI, por exemplo.

“Entendo que teríamos que ter um poder de polícia maior em relação à fiscalização de veículos poluentes para realmente cumprir com o objetivo de diminuição do efeito estufa, e não somente deixar o encargo para as legislações tributárias que acabam perdendo sua eficiência no momento em que milhões de veículos usados são exportados para países de baixa e média renda, criando obstáculos no combate às mudanças climáticas. Esses veículos contribuem para a poluição do ar e frequentemente acabam envolvidos em acidentes rodoviários; muitos são de baixa qualidade e seriam reprovados nos testes de aprovação para uso em estradas nos países exportadores”, afirmou.

Simulações feitas pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apontam que o programa não deve chegar a dois meses de duração. A previsão do governo é que os descontos durem por até 120 dias, mas, de acordo com o texto da medida provisória, o programa será encerrado antes desse tempo caso os R$ 500 milhões em créditos destinados a carros de passeio terminem.

A economista Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting, avalia que a medida tem o efeito negativo de pressionar as contas públicas, em um momento em que o governo sinaliza a necessidade de aumentar a arrecadação para viabilizar as metas de resultado primário previstas no arcabouço fiscal.

“O efeito líquido é negativo: pressiona as contas públicas, afeta a imagem do país na agenda ambiental, beneficia uma camada da população que não é pobre e alimenta a percepção de um governo sem agenda para o crescimento sustentado”, disse.

“Nem sequer a indústria automobilística ganha, pois o objetivo de reduzir o estoque atual nas montadoras deverá ser pouco atendido. Indivíduos adiam decisão de aquisição de carro, pois esperam comprar mais barato no futuro, enquanto o incremento no volume total de vendas poderá decepcionar, tendo em vista a mudança de hábitos e o preço ainda elevado para a renda do brasileiro”, criticou.

Pelo caráter temporário da iniciativa, o advogado Gabriel Quintanilha, professor de Direito Tributário na Fundação Getúlio Vargas (FGV), não crê que ela seja suficiente para estimular a indústria automotiva a aumentar consideravelmente as vendas nos próximos meses. Ele também chama atenção para a falta de concordância entre o discurso oficial da equipe econômica, de adequar as contas públicas, e o incentivo concedido à indústria automobilística.

“É uma medida pontual, paliativa, que não tem nenhum efeito prático de estimular o desenvolvimento econômico no Brasil. Haverá um benefício para um único setor, o que não vai gerar um resultado eficaz, e sim uma dificuldade de o governo enquadrar suas despesas de acordo com o marco fiscal que caminha no Congresso”, avaliou.

Bom… para quem?

O fato de a medida anunciada pelo governo para a indústria automotiva contemplar um único setor da economia também foi criticado pelo diretor-presidente para o Brasil da Associação Latino-Americana de Micro, Pequena e Média Empresa, Sérgio Miletto.

Levantamento organizado pelo Sebrae a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) aponta que as micro e pequenas empresas (MPE) foram responsáveis, em novembro de 2022, por 93,5% dos empregos formais gerados no país.

“Uma das justificativas dos defensores dessa medida é que o setor automotivo representa quase 20% da indústria e, por isso, o consideram ‘extremamente importante’. Ao conceder benefícios fiscais a grandes empresas, esquecendo-se dos micro, pequenos e médios empreendedores, o governo repete um modelo que até agora produziu apenas concentração de renda, desemprego e pobreza”, criticou.

Outro ponto que chama atenção de especialistas é o valor dos carros considerados populares, o que pode afastar compradores. Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre) aponta que atualmente são necessários aproximadamente 52 salários mínimos, em média, para adquirir os modelos Renault Kwid Zen 1.0 e Fiat Mobi Like 1.0, os mais baratos no mercado de 0 km atualmente.

O economista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Samuel Durso acredita que a cadeia produtiva deve ser beneficiada com geração de receita, além da criação de novos postos de trabalho nas montadoras.

Ainda que tenha uma visão mais otimista ao encarar a medida como política transitória contra ciclos ruins, ele questiona o valor dos carros classificados como populares. Segundo ele, o incentivo deveria ser considerado até 2024 para que haja algum impacto positivo na venda de automóveis.

“Mesmo barateando, quão popular são esses carros, e como será o acesso ao crédito para quem busca financiamento para comprá-los? A taxa de juros atual não favorece para que as pessoas tenham o recurso disponível para fazer esse tipo de aquisição, então o sucesso da medida também depende de outros fatores”, avaliou.

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