Indicação de Galípolo para o Banco Central pode gerar problemas no próprio Ministério da Fazenda, dizem analistas

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A indicação de Gabriel Galípolo para a diretoria de Política Monetária do Banco Central, confirmada nesta segunda-feira (8), pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), pode ampliar incertezas na autarquia e impor desafios internos para a pasta que comanda as ações econômicas do governo. É o que avaliam especialistas consultados pelo InfoMoney.

De um lado, a escolha de um economista de escola mais heterodoxa pode marcar o início de dissensos na autoridade monetária sob comando de Roberto Campos Neto – que, ainda que legítimos, podem gerar interpretações de posições políticas, e não técnicas, pelo contexto.

De outro, a saída de Galípolo do posto de secretário-executivo pode abrir uma lacuna no desenho inicial do Ministério da Fazenda da atual administração, com risco de reduzir capacidade de articulação política e interlocução com agentes econômicos.

“Galípolo era um dos secretários mais elogiados do Haddad e a substituição dele tira o economista mais experiente e com mais trânsito no mercado, dentre a alta cúpula que toca a rotina do ministério, para adicionar mais um advogado de confiança pessoal do Haddad e pouca experiência em macroeconomia”, observa Adriano Laureno, gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria.

Leia também: Maior conciliação ou potencial de aumentar ruídos? Como os economistas viram a indicação de Galípolo para diretoria do BC

Em coletiva de imprensa concedida no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo, Haddad disse que, uma vez aprovada a nomeação de Galípolo para o Banco Central pelo Senado Federal, a secretaria executiva da pasta ficará com o advogado Dario Durigan.

Do lado do Banco Central, Laureno acredita que Galípolo não assumirá “contraposição explícita” à presidência de Roberto Campos Neto em um primeiro momento.

Cotado para comandar a autarquia na segunda metade do governo, a expectativa é que ele adote postura cautelosa de olho na consolidação de uma posição favorável junto aos stakeholders.

O risco de conflito, aposta o especialista, pode aumentar quando mais indicados por Lula assumirem posições. Até o fim de 2023 o mandatário poderá fazer duas outras indicações.

“Ao menos até dezembro, os indicados de Lula serão apenas dois, dentro nove, diretores do BC. É claro que em 2024 passa a existir um risco maior de conflito na diretoria, dado que o Lula passará a ter quatro dos diretores, com Galípolo sendo o favorito para assumir a presidência da instituição no ano seguinte e, portanto, com força para tentar atrair para o seu bloco algum dos diretores de Bolsonaro, caso haja divergência com Campos Neto. Mas o cenário mais provável é que o Galípolo evite conflitos, para consolidar seu apoio no mercado financeiro e assumir a presidência do Banco, em 2025”, projeta.

Já Alberto Ramos, diretor do departamento de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, espera um “aumento potencial no ruído de comunicação no curto prazo” com o processo. “Não nos surpreenderíamos ao começar a ver decisões divididas do Copom e visões diametralmente opostas dentro do Copom sobre qual deveria ser a postura política adequada”, disse.

Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho, a indicação de Galípolo eleva a pressão por cortes da Selic. “Galípolo vai entrar na diretoria do BC com o objetivo claro de tentar antecipar o movimento de corte de juros. Então, a preocupação é justamente com uma mudança no balanço de forças dentro do BC na direção de uma maior leniência com a inflação”, comentou

Para Mário Sérgio Lima, analista sênior da consultoria Medley Global Advisors, a escolha por Galípolo deve gerar dúvidas no mercado sobre a natureza de contrapontos que se espera que ele coloque nos debates do Banco Central – o que pode ampliar o nível de desconfiança de agentes econômicos com o atual governo.

“Há uma dúvida se os contrapontos que ele vai colocar lá, que podem ser legítimos da escola da qual ele vem, são contrapontos da escola ou uma espécie de missão dada pelo governo” observa.

“É uma dificuldade. Ele já entrou [na Fazenda] com o signo da desconfiança, como Haddad, e ambos estão conseguindo, de certa maneira, superar a desconfiança, ainda que existam críticas. Ninguém mais olha o [ministério de] Haddad como se fossem irresponsáveis fiscalmente. Daí, ele vai para outro lugar em que vai ter que de novo construir. O custo de credibilidade perante o mercado é fato. Pode-se dizer se é justo ou não, mas é fato”, pontua.

Ainda sob a perspectiva do Banco Central, o especialista não descarta a hipótese de Galípolo, uma vez investido do novo cargo de diretor de Política Monetária, mude de postura, tendo em vista os novos incentivos gerados pela posição na autarquia.

Do lado do Ministério da Fazenda, Lima compartilha das preocupações com a mudança no perfil do ocupante da secretaria-executiva e diz que poderia ter sido mais estratégico para Haddad buscar um nome de peso ainda no campo econômico, seja da academia ou do mercado.

“Poderia ser a oportunidade de trazer alguém com um pouco mais de estofo, tanto acadêmico ou de mercado, para poder baratear o processo de credibilidade, para facilitar a melhora de expectativas”, avalia.

Por outro lado, ele salienta que Dario Durigan pode exercer papel interessante no assessoramento de Haddad para a formatação técnica de políticas públicas, em uma atuação mais interna do que externa.

Nesta segunda-feira (8), Haddad também anunciou a indicação de Ailton Aquino dos Santos, para a diretoria de Fiscalização do Banco Central. Funcionário de carreira e com larga experiência na autarquia, ele será o primeiro negro a ocupar uma diretoria da instituição.

Para Mário Sérgio Lima, a indicação foi uma decisão “muito acertada” do governo, considerando a trajetória profissional do escolhido e o aspecto da representatividade, que também tem importante componente simbólico no processo.

Tanto Ailton Aquino dos Santos quanto Gabriel Galípolo ainda precisarão ser sabatinados pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal e terem seus nomes votados pelo colegiado e pelo plenário da casa legislativa antes de serem efetivamente nomeados para os respectivos cargos de diretores do Banco Central.

Na avaliação de Lima, o governo não deve enfrentar grandes dificuldades para confirmar as duas indicações – com eventual risco de algum atraso por alguma razão conjuntural da política. Já Laureno acredita que, por ser um cargo mais técnico, o primeiro deve enfrentar menos problemas do que o segundo.

“A pressão deverá recair sobre Galípolo, por sua proximidade com Haddad e porque a oposição levantará a hipótese de que sua indicação para a diretoria mais renomada do BC poderia significar o início de um processo de intervenção do governo Lula na instituição”, ressalta.

“Vale lembrar, no entanto, que Galípolo não é filiado ao PT, foi presidente do Banco Fator e tem relação própria com parte dos senadores − incluindo Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Então me parece que, embora traga mais polêmica, a indicação dele também deve acabar sendo aprovada com uma boa margem de votos”, pondera.

(com agências)

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Marcos Mortari

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