Trunfo fiscal do governo, decisão do STJ sobre benefícios de ICMS ainda gera dúvidas

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A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a exclusão de benefícios do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) já está valendo após o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a liminar que paralisava o julgamento no STJ.

Apesar de os efeitos serem imediatos, advogados tributaristas ouvidos pelo InfoMoney acreditam que as teses preliminares, proferidas no julgamento do último dia 26 abril, não deixam claro sobre como a fiscalização poderá proceder e a tendência é de que as instâncias inferiores aguardem os embargos de declaração, o que pode levar mais alguns meses.

O STJ definiu três teses principais, que deverão ser mais bem explicadas na publicação do acórdão do julgamento, que ainda não tem data para sair. São elas:

  1. Não se pode excluir benefícios fiscais relacionados ao ICMS, seja redução de alíquota, isenção, entre outros, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL – somente no que está definido pelas Leis 12.973/2014 e a Complementar 160/2017;
  2. A exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS de IRPJ e CSLL não exigirá demonstração de investimentos em implantação ou expansão de empreendimentos econômicos;
  3. No entanto, mesmo com a dispensa prévia de comprovação de investimentos, a Receita Federal poderá exigir, durante fiscalizações, dados que comprovem investimentos para aprovar a exclusão deles da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Antes de mais nada, é importante reforçar que o STJ definiu que são benefícios de ICMS isenções e reduções de base de cálculo, por exemplo. Estes costumam ser contabilizados pelas empresas na linha “subvenções governamentais” no balanço. Nada tem a ver com créditos presumidos de ICMS, que seguem autorizados, e normalmente são registrados na linha “créditos tributários”.

“O STJ já definiu que, no crédito presumido, há um desembolso indireto dos estados para auxiliar as empresas. Sob este prisma, a União não pode taxar outro ente federativo, é inconstitucional”, explica Ana Luiza Martins, sócia do Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown.

“No caso dos benefícios, o entendimento é de que os estados recolhem o ICMS que foi subvencionado ao longo da cadeia como ‘rebote’ ao incentivo dado. Então o ente federativo, neste caso, não estaria abrindo mão de recursos de fato, como ocorrem com os créditos”, acrescenta.

Por que é importante para o governo?

O ato de Mendonça foi visto como positivo pelo governo federal, uma vez que passam a valer as novas teses do STJ. Sob este contexto, a União prevê incremento de cerca de R$ 90 bilhões na arrecadação, embora cálculos do mercado sejam mais conservadores, estimando algo próximo a R$ 40 bilhões.

A tributarista Luiza Benjó, sócia do BMA Advogados, lembra que a decisão do STJ pouco alterou o que já estava em vigor. Porém, esse “pouco” é o que o governo precisava para tentar ampliar a arrecadação.

“A decisão não trouxe mudanças expressivas do que já era o entendimento. A diferença é que a Tese 3 dá a oportunidade ao governo de exigir, na fiscalização, a comprovação de que os benefícios foram destinados à expansão da atividade. Houve sempre dúvidas na interpretação da lei”, reforça.

São duas leis que baseiam a exclusão de benefícios de ICMS da base de cálculo de IRPJ e CSLL. A Lei Federal 12.973/2014 define que poderão ser excluídas as subvenções destinadas ao estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Com isso, o entendimento da Receita Federal é de que apenas benefícios de ICMS para investimentos tinham o direito de serem excluídos. Caso a subvenção apenas ajudasse a custear a atividade da empresa, o benefício fiscal era taxado.

“Começou a ter uma forte divergência porque a União entendia que os estados estavam custeando as atividades das empresas, distorcendo o benefício. Nesse cenário, uma Lei Complementar tentou pacificar este ponto”, diz Vinicius Vicentin, sócio do VBSO Advogados.

Em 2017, foi publicada a Lei Complementar 160 determinando que, por princípio, toda subvenção seria considerada investimento e nenhuma comprovação passou a ser necessária. Com isso, as empresas interpretaram que todo o benefício de ICMS poderia sair do cálculo de IRPJ e CSLL e foram à Justiça fazer valer essa premissa.

“Embora a Lei Complementar tenha aberto esse entendimento, a Receita sempre tentou limitar a interpretação. O início do artigo em questão [o 30, da Lei 12.973] deixa explícito que se trata sobre benefícios destinados a investimentos para expansão. Portanto, o que veio com a Lei Complementar apenas reforçaria este ponto [na visão da Receita]”, explica Benjó, do BMA Advogados.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT): aumento de arrecadação no foco (Agência Brasil).

A avaliação dos especialistas é que, de qualquer forma, a Justiça delimitou até onde os benefícios de ICMS poderão ser excluídos da base de IPRJ e CSLL. E isso poderia abrir caminho para o governo alterar a Lei Complementar 160.

Especulou-se a edição de uma Medida Provisória sobre o tema, mas os advogados lembram que alterar uma Lei Complementar exige quórum diferenciado para a sua aprovação, de 257 deputados e 41 senadores, independentemente se todos os congressistas estiverem presentes na sessão ou não. A título de comparação, para a aprovação de uma Lei Ordinária, apenas a maioria simples dos presentes garantiria a aprovação.

O que muda para as empresas?

O efeito financeiro ainda é incerto, uma vez que o reporte de subvenções governamentais de empresas abertas, por exemplo, pode envolver tanto benefícios atrelados a investimentos em expansão como para custeio da atividade.

Ao separar os dois tipos de subvenção, poderá ocorrer de o fisco taxar retroativamente os benefícios de ICMS destinados a custeio. Tudo dependerá de como o STJ fechar o resultado do julgamento. “Muitas empresas vão ter que trocar pneu com o carro andando para se adequar ao novo entendimento”, lembra Vinicius Vicentin.

No entanto, o primeiro grande risco de tributação e multa serão para aquelas empresas que não seguiram a legislação no que se refere a destinar o lucro extra oriundo dos benefícios para uma reserva legal. Independentemente se a subvenção visou investimento ou custeio, as companhias não podem distribuir dividendos sobre o lucro subvencionado.

Neste caso, a reserva legal permite que a empresa utilize esses recursos em duas situações: ou para abater prejuízos ou para aumentar seu capital social.

“O problema é que algumas empresas não costumavam destinar os recursos para as reservas de lucro, e o risco de ser taxado aumentou”, reforça Vicentin, do VSBO. A multa para quem destinou lucro subvencionado aos acionistas é de 75% a 150% sobre o valor do IRPJ e CSLL da empresa.

Para Rafael Serrano, sócio do CSA Advogados, alguns setores podem ser mais penalizados pelas mudanças, em especial se não tiver feito a reserva legal prevista em lei. “Indústria, agronegócio e varejo são os que tradicionalmente recebem mais benefícios fiscais de ICMS em vez de créditos presumidos”.

Não por acaso, ingressaram como partes interessadas (em latim “amici curiae”, termo utilizado no vocabulário jurídico) no processo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV).

O InfoMoney tentou contato com as associações para comentar o tema, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Em números

Um compilado das empresas acompanhadas listadas na Bolsa acompanhadas pelo Santander mostrou o peso das subvenções de ICMS na última linha do balanço.

Empresa Setor Ano de referência Benefício como proporção do lucro líquido
Grupo Soma Varejo 2022 44%
Via* Varejo 2020 41%
Grupo Mateus Varejo 2022 34%
SBF Varejo 2022 31%
M.Dias Branco Alimentos e bebidas 2021 29%
Arezzo Varejo 2022 24%
Assaí Varejo 2022 20%
Hypera** Saúde 2022 22%
Vivara Varejo 2022 19%
Intelbras Tecnologia e telecom 2022 19%
Pague Menos Varejo 2022 16%
Carrefour Brasil Varejo 2022 14%
Jalles Machado Agronegócio 2022 13%
Renner Varejo 2022 10%
RD Varejo 2022 7%
Guararapes Varejo 2022 6%
Marcopolo Bens de capital 2022 6%
Tegma*** Bens de capital 2022 5%
Iochpe-Maxion*** Bens de capital 2022 5%
Tupy*** Bens de capital 2022 5%
Camil Alimentos e Bebidas 2021 3%
Fras-le**** Bens de capital 2022 2%
Magazine Luiza Varejo 2019 2%
Track&Field Varejo 2022 2%
WEG Bens de capital 2022 2%
Randon**** Bens de capital 2022 1%
JBS Alimentos e Bebidas 2021 1%
C&A Varejo 2019 0%
CVC Varejo e consumo 2022 0%
Espaçolaser Varejo e consumo 2021 0%
Marisa Varejo 2021 0%
Petz Varejo 2022 0%
SmartFit Varejo e consumo 2022 0%
Fonte: Santander
*Em 2020, parte dos créditos de ICMS na Via refere-se a impactos pontuais de decisões judiciais referentes à cobrança de ICMS sobre PIS/COFINS.
**Segundo a empresa, o benefício fiscal de ICMS recebido pela Hypera está relacionado a investimento.
*** Assumindo que todos os benefícios são relativos ao ICMS (não divulgado).
**** Utilizar como referência as reservas de benefícios fiscais.

Pegando alguns exemplos da lista, no caso da Soma (SOMA3), o Imposto de Renda e a CSLL sobre o lucro seria de R$ 96,4 milhões não fossem R$ 148,8 milhões excluídos subvenções. Somando com outros ajustes tributários, a companhia ganhou crédito de R$ 51,7 milhões de IRPJ e CSLL em 2022.

Na Hypera (HYPE3), a parcela de 34% equivalente dos dois impostos sobre o lucro somaria R$ 542,7 milhões, enquanto a subvenção compensou R$ 324,6 milhões, gerando R$ 100,6 milhões em créditos ao final de todos os ajustes tributários. No Grupo Mateus (GMAT3), o IRPJ e a CSLL somaram R$ 370 milhões, com R$ 358,3 milhões excluídos por conta do benefício fiscal, o que resultou em R$ 23,5 milhões em tributos a serem pagos ao final da conciliação de impostos.

Na M.Dias Branco (MDIA3), a subvenção retirou R$ 182,4 milhões da base de cálculo de IRPJ e CSLL, que seria de R$ 128,2 milhões. Ao todo, a companhia obteve R$ 125,9 milhões após o ajuste de todos os tributos. No caso da Arezzo (ARZZ3), os impostos seriam de R$ 160,8 milhões, que tiveram R$ 102 milhões excluídos da base de cálculo, resultando em R$ 50,3 milhões a pagar em tributos.

Vale destacar que o benefício de ICMS ocorre em todos os setores da economia. Outro ponto é que as companhias listadas reportam a reserva legal de lucros prevista na lei, indicando que a exclusão não foi para seus acionistas. Portanto, não cometeram nenhuma ilegalidade.

“É um benefício muito pulverizado, historicamente diversos setores ganham benefícios de estados que querem atrair empresas. Existem segmentos mais tradicionais, mas há empresas de todos os segmentos”, reforça Ana Luiza Martins, do Tauil & Chequer.

Decisão ainda não é clara

A despeito do resultado unânime no julgamento e uma interpretação do governo de que poderá avançar na arrecadação com a decisão do STJ, os advogados alertam que os recursos extras não deverão vir tão rápido. O principal motivo é que o mérito da questão não estaria totalmente pacificado.

“Ainda não está claro como a Receita Federal poderá atuar a partir da decisão. Ela poderá recorrer na Justiça, já solicitar demonstrativo de investimento, multar? A decisão não deixa claro como isso vai ficar”, resume Rafael Serrano, do CSA Advogados.

Outro ponto observado é que as Teses 2 e 3 possuem certa divergência. Se uma reafirma que todo tipo de subvenção é investimento e não há necessidade de comprovação prévia, outra diz que a Receita Federal poderá solicitar documentações comprobatórias se assim entender.

Isso, na visão dos profissionais, poderá tirar o caráter isonômico da tributação e criar uma seletividade do fisco sobre quais contribuintes exigir comprovação.

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André Mendonça, ministro do STF: derrubada de liminar não retirou dúvidas sobre decisão do STJ(Agência Senado)

“Eu vejo que haveria espaço para as duas teses se confrontarem nas instâncias inferiores, por exemplo. O acórdão precisa esclarecer melhor este ponto e muito provavelmente teremos embargos de declaração pelas partes interessadas para entender melhor o resultado”, avalia Luiza Benjó, do BMA Advogados.

Outra dúvida é se haverá espaço ou não para a modulação da decisão. Martins e Vicentin apontam que ela poderia ajudar a criar um marco temporal para as empresas adequarem ao novo entendimento do STJ com maior segurança jurídica.

“No julgamento, já se esperava uma modulação de efeitos, o que acabou não ocorrendo. Teremos que ver o acórdão para ver se há espaço para pedir esta modulação”, completa Ana Luiza Martins.

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Rikardy Tooge

Rikardy Tooge