Quais os impactos da ação da PF contra Bolsonaro? Analistas projetam cenários para governo e oposição
A operação “Venire”, deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta-feira (3) para apurar suposta fraude envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em dados de vacinação contra a Covid-19, repercutiu no meio político, mas ainda gera dúvidas de especialistas quanto a possíveis impactos sobre os trabalhos no Congresso Nacional e a agenda de interesse do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Analistas políticos consultados pelo InfoMoney se dividem sobre o que esperar para os próximos dias na pauta legislativa após o episódio. De um lado, há a leitura de que o caso tende a acirrar ainda mais o clima polarizado que se via no parlamento em meio ao debate do PL das Fake News. De outro, existe a compreensão de que assuntos econômicos, sobretudo o novo arcabouço fiscal, têm contágio limitado ou até podem se beneficiar em caso de eventual desestruturação da oposição.
Para Mário Sérgio Lima, analista sênior de política e macroeconomia para o Brasil da consultoria Medley Global Advisors, ainda é cedo estimar os impactos da operação, tendo em vista a ausência de detalhes das investigações e com o mundo político digerindo a notícia. De qualquer forma, o especialista levanta duas possíveis consequências sob a ótica da pauta de interesse do governo Lula.
“Ainda que Bolsonaro seja o líder da oposição, de alguma forma esse cerco formado sobre ele pode enfraquecer essa sua própria posição e criar um momento de reorganização de forças na direita, que, em tese, poderia favorecer o governo para avançar a agenda”, pontua.
“Mas, de uma forma geral, o que estamos vendo (CPI dos atos golpistas, PL das Fake News e esse cerco a Bolsonaro) são fatores que roubam fôlego da agenda. Somado a um governo que ainda não conseguiu tomar totalmente o pé do Congresso – ou seja, formar uma base que garanta a sustentação das pautas –, a tendência, sim, é que atrapalhe”, pondera.
Sua aposta é que, em alguma medida, o cerco a Bolsonaro tende a atrapalhar a agenda de Lula por criar um novo ruído político que disputa a atenção de parlamentares com outras agendas.
“Pode ser que seja menos grave, mas é uma série de fatores que roubam a agenda de um governo que ainda não conseguiu impor sua própria pauta no Congresso. A cada ruído que surge, a tendência é que piore o clima para a votação de medidas”, diz.
Já Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), acredita que a pauta econômica, sobretudo o arcabouço fiscal, traz uma estrutura de incentivos diversos para os parlamentares, que reduzem o potencial de contágio.
“O jogo do marco fiscal é um jogo em que os incentivos para ser contra são menores, porque a votação está associada à redução da taxa de juros. Do ponto de vista político, houve um efeito positivo da politização da taxa de juros promovida por Lula, muito embora tenha trazido seus custos de reputação e ruídos na precificação dos ativos brasileiros”, afirma.
Considerando o perfil mais à direita do Congresso Nacional na atual legislatura, o especialista percebe fatores de constrangimento maiores para uma oposição ao marco fiscal e acredita que existe a possibilidade de o texto encaminhado pelo Poder Executivo ser endurecido pelos parlamentares.
Para Cortez, as lições observadas durante o polêmico debate do PL das Fake News, que teve votação adiada ontem (2) em meio às dificuldades de se construir um acordo em torno do texto, podem ser mais importantes para a tramitação de temas como a reforma tributária, que divide as preferências de setores econômicos e, por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), exige apoio mínimo de 3/5 de deputados e senadores em dois turnos de votação em cada uma das casas legislativas.
O analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, também vê impactos limitados do episódio sobre pautas como o arcabouço fiscal. Para ele, embora o projeto de lei complementar entregue por Lula há duas semanas sofra críticas à direita e à esquerda, há certo consenso em torno da necessidade de aprovação de um novo marco para substituir o teto de gastos.
“Isso acaba prevalecendo sobre a disputa política e a polarização muito sedimentada”, diz. “Mesmo no PL (sigla do ex-presidente Bolsonaro), há certa divisão. Nem todo mundo é bolsonarista raiz. Não é esse caso de Bolsonaro que vai fazer a agenda do Congresso parar”.
“O caso envolve Bolsonaro e seu núcleo duro. Pensando sob o ponto de vista da opinião pública, trata-se de tema velho. Bolsonaro perdeu a eleição, é ex-presidente e não é tema central para a opinião pública quando se compara à Economia”, destaca.
Para ele, o cerco recente a Bolsonaro pode trazer consequências para a dinâmica de forças no campo da oposição, principalmente quando se considera o risco de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) torná-lo inelegível em uma das 16 ações em tramitação na Corte.
“Apesar de Bolsonaro ter um núcleo duro de apoio, ele também, em função dessas investigações, passa a ter um desgaste adicional e a alimentar a narrativa sobre uma eventual inelegibilidade – o que pode trazer consequências para o campo da direita, principalmente num momento em que há nomes como dos governadores Tarcísio [de Freitas] e [Romeu] Zema começando a ter destaque”, diz.
Veja mais sobre a repercussão no Radar InfoMoney desta quarta-feira (3):
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