Para especialistas, reforma tributária “fatiada” prejudica solução para problema da regressividade

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A unificação dos impostos prevista pela implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) tem vantagens instrumentais, mas não ataca diretamente questões de ordem distributiva e traz dúvidas sobre o futuro do sistema de seguridade social, uma vez que engloba tributos como o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

O diagnóstico é de especialistas nas áreas de direito tributário e administração pública que participaram de audiência pública organizada ontem (18) pelo Grupo de Trabalho de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados. Eles acreditam que, levando em consideração o enfoque em eficiência na busca por um novo modelo, existe a necessidade de estabelecer um debate mais amplo, que contemple a tributação de patrimônio e renda neste momento em que é debatido um novo formato para a taxação do consumo.

“A matriz tributária brasileira está assentada na tributação indireta, que é altamente regressiva. Nos países da OCDE a tributação indireta varia na casa dos 30%, no Brasil esse número é acima de 40%. A base tributária mais propensa à progressividade está no patrimônio e renda”, afirmou a pesquisadora do Centro de Estudo em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, Eliane Barbosa da Conceição.

Ainda de acordo com Eliane, uma reforma que dê ao sistema tributário bases mais progressivas seria uma forma de combater questões como o racismo estrutural e a desigualdade de gênero, uma vez que a lógica da tributação do consumo faz com que a parcela mais pobre da população pague proporcionalmente mais impostos.

Um exemplo prático está no fato de que, estatisticamente, famílias chefiadas por homens gastam com imóveis e carros em uma proporção maior, enquanto em lares chefiados por mulheres, as despesas com saúde e aluguel concentram a maior parte do orçamento familiar.

Ainda sob o aspecto do gênero, a maior tributação incidente em produtos considerados essenciais pela Constituição de 1988, como absorventes e bombas de amamentação, em comparação com artigos classificados como supérfluos, como estojo de maquiagem, também demonstram a necessidade de aprimoramento do regime tributário.

“O Brasil é composto por 56,7% de pessoas negras e mulheres negras são o maior grupo demográfico. Mulheres chefiam 57 milhões de lares, muitas vezes em uma condição solo. Isso tem que ser levado em consideração ao debater essas mudanças”, argumentou a doutora em Direito Tributário, Raquel Elita Alves Preto, cofundadora da entidade Women in Tax Brazil.

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Em discussão no Congresso, a alteração no regime tributário deve agregar PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em um ou dois tributos. O documento a ser elaborado pelo relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), deverá contemplar pontos das PECs 45/2019 e 110/2019, e avançar em temas como a criação de um sistema de cashback direcionado a famílias com renda mais baixa. O mecanismo é encarado como forma de combater às desigualdades, mas é preciso definir parâmetros claros para evitar distorções.

A representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Maria Cristina Mac Dowell, explicou que os modelos de cashback podem compreender a devolução de recursos originários de impostos ou uma compensação financeira direcionada a um grupo populacional, em um formato que se aproxima dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Segundo ela, a periodicidade de devolução do tributo e a designação do órgão governamental gestor do programa também são fatores importantes.

“Na América do Sul, temos os exemplos de Colômbia e Equador. No primeiro foi pré-estabelecido pelo governo um montante a ser devolvido. O valor é direcionado a idosos e famílias vulneráveis, independentemente do valor de impostos pago por esse grupo, que a cada dois meses recebe US$ 16. No Equador, a lógica obedece a regra da devolução de acordo com o IVA pago pelo grupo beneficiário, focado em idosos pessoas com deficiência. Há canais de devolução presencial para apresentação das notas fiscais que comprovem as despesas, que também podem ser enviadas pela internet”, explicou.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas, Tathiane Piscitelli, a devolução pode ser a solução, desde que seja devidamente especificado sobre quem serão os beneficiários. Ela chamou a atenção para a importância do debate sobre a lei complementar posterior, e também fez ressalvas sobre o debate “fatiado” do tema.

“Nós não temos claro quem seriam os beneficiários da política de devolução. Atualmente há dois discursos. Primeiramente sobre a inclusão da população beneficiária de  programas de transferência de renda, o que daria um rendimento per capita de R$ 218. No entanto, isso excluiria muitas mulheres que trabalham como empregadas domésticas e ganham um salário mínimo”, pontuou.

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