Lula critica estruturas de FMI e Banco Mundial e fala em perda de credibilidade de Conselho de Segurança
Em seu retorno à Assembleia Geral das Nações Unidas após um hiato de 14 anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou a demanda histórica do Itamaraty por uma reforma das principais instâncias de governança global e disse que o Conselho de Segurança da ONU, mantido sob correlação de forças de oito décadas atrás, “vem perdendo progressivamente sua credibilidade”.
“O princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as nações – vem sendo corroído. Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”, disse.
“O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia”, afirmou.
No discurso que durou cerca de 21 minutos, Lula também citou como exemplo da desigualdade reproduzida pelos organismos multilaterais o fato de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter disponibilizado US$ 160 bilhões em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas US$ 34 bilhões a países africanos.
“A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável. Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo. As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, criticou.
Lula destacou o BRICS – grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ao qual recentemente se somaram Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã – como uma resposta ao que chamou de “imobilismo” dos organismos multilaterais tradicionais, com o intuito de promover cooperação entre países emergentes.
“A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21. Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo”, disse o presidente.
Tradicionalmente, cabe ao Brasil o primeiro discurso na etapa de debates entre chefes de Estado na Assembleia Geral. Esta foi a terceira vez que Lula subiu à tribuna ‒ a primeira delas ocorreu em setembro de 2003. Antes dele falaram o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente da Assembleia Geral, o diplomata Dennis Francis, de Trinidad e Tobago.
Em sua fala, Lula também apontou o dedo para o que classificou como “protecionismo dos países ricos”, que, na sua avaliação, aprofundou o estágio de paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha. Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens”.
E disse que o neoliberalismo aprofundou a desigualdade no planeta, deixando um legado de deserdados e excluídos, abrindo margem para o surgimento de lideranças aventureiras e populistas.
“Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a ‘voz dos mercados’ e a ‘voz das ruas’. O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”, declarou.
Lula também defendeu a construção de políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital, além da preservação da liberdade de imprensa. Sobre este assunto, ele criticou punições ao jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks, responsável por revelar uma série de informações secretas sobre a atividade militar americana no Iraque e no Afeganistão.
Por fim, o presidente brasileiro disse que “conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana” e defendeu soluções baseadas no diálogo para que sejam duradouras. Ele argumentou, ainda, que sanções unilaterais, além de produzirem prejuízos às populações dos países afetados, tornam mais difíceis processos de mediação, prevenção e resolução pacífica.
“É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino. A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão. Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas”, afirmou.
Ao citar a guerra na Ucrânia, que já dura mais de um ano, Lula não mencionou a Rússia e disse que o caso “escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU”. “Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo”, disse.
“É preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento”, pontuou “Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo. A comunidade internacional precisa escolher: De um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz”, complementou.
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