Brics: alternativa ao dólar, adesão de novos membros e interesses conflitantes devem marcar discussões na África do Sul
Com a possibilidade da adesão de novos países no foco da discussão entre os líderes do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o grupo se reúne pela 15ª vez a partir desta terça-feira (22), em Joanesburgo, África do Sul, na primeira cúpula realizada de maneira presencial após a pandemia de Covid-19.
Segundo autoridades da África do Sul, mais de 40 nações manifestaram interesse em ingressar no bloco. Deste total, pouco mais da metade protocolaram solicitações formais de admissão. Neste sentido, analistas indicam que o fato de os novos postulantes estarem afastados dos grandes centros da política internacional, como América do Norte e Europa Ocidental, sinaliza a busca por alternativas que passam pelo questionamento da ordem mundial vigente.
O grupo de possíveis novos membros é heterogêneo. Enquanto Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos veem o Brics como um instrumento para ampliar sua voz na tomada de decisões envolvendo organizações internacionais, Irã e Venezuela buscam reduzir seu isolamento e esperam que uma participação no grupo possa amenizar impactos das sanções impostas pelos Estados Unidos.
Candidatos africanos, Etiópia e Nigéria são atraídos pelo compromisso do bloco com reformas nas Nações Unidas. Outros postulantes, como a Argentina, querem mudanças nas regras de mecanismos como a Organização Mundial do Comércio, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.
O possível ingresso da Argentina, no entanto, ganha novos contornos de incerteza após o bom desempenho do líder libertário Javier Milei nas prévias da disputa presidencial. Ao defender o fim do Banco Central local, a dolarização da economia local, a saída do Mercosul e hostilizar a China, o candidato representa ideias opostas às do grupo. Se antes o governo brasileiro fazia lobby pela adesão dos ‘hermanos’, não é possível afirmar que a situação permaneça diante da mudança conjuntural.
Para o coordenador do curso de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Rodrigo Gallo, a entrada de novas nações no bloco torna necessário um novo debate estrutural sobre os rumos do grupo, já que atualmente não há estatuto ou regimento que deve ser seguido, entre outros pontos, como guia para novas filiações.
“Os novos integrantes talvez não possam ser considerados similares em todos os aspectos aos países originais dos Brics, mas temos que lembrar que a África do Sul ingressou posteriormente ao grupo e também não tem característica tão similar aos quatro anteriores (Brasil, Rússia, Índia e China)”, pontua.
“Esses países estão buscando novos espaços para estimular o comércio, para impulsionar investimentos estrangeiros. Talvez estejam buscando novas formas de financiamento e desenvolvimento, mas essas discussões também passam pela necessidade de debater a hegemonia do dólar. Existe de fato uma discussão sobre a criação de uma moeda para os Brics, que sirva para as transações internas aos membros do bloco”, relaciona.
Há uma expectativa de que, durante o encontro em Joanesburgo, o grupo discuta os planos para o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) – o chamado banco do Brics, atualmente chefiado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – e o uso de moedas locais ou de uma eventual unidade de referência do Brics para transações comerciais entre seus integrantes, reduzindo a exposição ao dólar.
“É provável que haja algum resultado nessa área”, disse o secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, Eduardo Paes Saboia, semana passada durante briefing do Itamaraty sobre a viagem. Segundo ele, este é um ativo muito importante do bloco.
A ideia seria desenvolver uma unidade de referência a partir de uma cesta de moedas composta pelas moedas nacionais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que o think tank russo Valdai Club batizou de R5, usando as letras iniciais das moedas locais, todas começando com a letra “r” (real, rublo, rúpia, renminbi e rand).
Atualmente o Brics concentra 40% da população mundial e 26% da riqueza gerada em todo o planeta. A expressão ‘bric’ foi criada em 2001, por Jim O’Neil, então economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs, em uma analogia com a palavra ‘brick’, tijolo em inglês. Dessa forma, o termo designava economias emergentes com alto potencial de crescimento no século 21.
Cinco anos mais tarde, Brasil, Rússia, China e Índia constituíram um fórum formal de discussões, na Reunião de Chanceleres organizada à margem da 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro daquele ano. A primeira reunião de chefes de Estado ocorreu em 2009, na Cúpula de Ecaterimburgo, na Rússia. E em 2011, na terceira reunião de cúpula, em Sanya (China), a África do Sul foi incluída no grupo. O acrônimo ganhou a letra ‘s’.
Para o professor Emílio Mendonça Dias da Silva, membro do GEBRICS/USP, professor de Direito Internacional da Pós-Graduação da EBRADI, e doutorando e mestre em Direito Internacional Público pela Universidade de São Paulo, o debate sobre a expansão do Brics deve ser marcado por diferenças de posicionamento entre os países que integram o grupo atualmente. Na quinta-feira (24), os líderes vão se reunir com chefes de estado de nações interessadas em aderir ao grupo.
“A expansão do grupo é desejada pela China, pela possibilidade de ampliação de sua zona de influência. Por outro lado, a percepção dos outros países pode ser justamente a oposta. Há receio por integrantes atuais do grupo – como é o caso do Brasil – de se expandir o grupo de forma desmedida. O fato de o Brasil integrar o grupo é um elemento de sua afirmação como uma liderança regional”, explica.
Enquanto busca estabelecer um contraponto à lógica hegemônica ocidental, o aumento no número de membros pode dar mais influência ao Brics no cenário global, ainda que tal movimento precise ser acompanhado da busca por um sentido de unidade.
“Os critérios para admissão de novos membros ainda estão para ficar claros e serão resultados dessa discussão. O desafio maior é alcançar consenso dos cinco países para definição de critérios para admissão de novos membros. Certamente, deverão ser países alinhados com o projeto de relativização da hegemonia ocidental e que não possuam relações conflitivas com os membros atuais, a ponto de truncar os processos de negociação e cooperação do grupo”, avalia Silva.
Ausência de Putin
Por causa da Guerra na Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, não estará presente na cúpula, em Joanesburgo. Desde março, há um mandado de prisão em aberto contra Putin, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Caso desembarque em território sul-africano, o chefe de governo corre o risco de ser preso por crimes cometidos pela Rússia na invasão à Ucrânia, já que a África do Sul é um dos países que reconhecem a autoridade do organismo internacional.
Sobre o conflito no leste europeu, Rodrigo Gallo vê a necessidade de um esforço diplomático entre os membros do Brics para evitar ruídos em relação ao posicionamento do bloco sobre o avanço de tropas russas em território ucraniano. Segundo ele, a economia do país de Vladimir Putin é fundamental para a consolidação de um frente de países em desenvolvimento.
É esperado que a Guerra na Ucrânia faça parte dos debates desta terça-feira (22), primeiro dia de reuniões, quando os líderes vão se encontrar a portas fechadas.
“Não imagino que a Rússia seja excluída do bloco, por se tratar de um país fundador. Ainda assim será preciso encontrar um meio-termo, entre não excluir a Rússia e não mandar uma sinalização para o sistema internacional de que eventualmente o bloco apoia a Rússia na Guerra da Ucrânia”, diz.
“Os países do Brics ofertaram-se para facilitar os processos de negociação e atingimento da paz. Essa postura deve ser novamente colocada na Cúpula”, aposta Silva.
(Com Agências)
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