Tributação de “offshores” corre risco de ficar pelo caminho em semana decisiva para Medidas Provisórias
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), passam a semana em agenda na África do Sul pela 15ª Cúpula dos Brics, o Congresso Nacional tem sobre a mesa medidas provisórias importantes para o Palácio do Planalto pendentes de análise e com prazo apertado para perda de validade.
Das matérias desta natureza em tramitação no parlamento, quatro atingem o prazo máximo de 120 dias para “caducarem” na semana que vem ‒ ou seja, precisam ser votadas pelas duas casas legislativas antes disso para não terem seus efeitos suspensos. Deste total, três estão na Câmara dos Deputados e uma sequer teve comissão mista instalada para discussões entre deputados e senadores.
No primeiro grupo está uma medida provisória que prevê reajuste linear para servidores do Poder Executivo na esfera federal (MPV 1170/2023) no percentual geral de 9% como forma de compensação da falta de correções ao longo dos últimos anos. O texto perde validade em 25 de agosto.
No projeto de conversão, os parlamentares também incluíram dispositivo que cria uma diretoria na Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e promoveram mudanças nas regras sobre empréstimos consignados.
Na regra atual, há um teto de 45% para empréstimos, sendo 5% reservados exclusivamente para operações com cartão de crédito e outros 5% para cartão de benefícios. No novo texto, a utilização da margem fica a critério do servidor, respeitado o teto de 45%, mas sem a reserva compulsória nas operações com cartão.
Além disso, o texto traz possibilidade de consignação em folha de operações de crédito para anistiados políticos que recebam reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e continuada.
No mesmo grupo de matérias pendentes de análise pelo plenário da Câmara dos Deputados está outra medida provisória que trata da possibilidade de portabilidade do vale alimentação dos trabalhadores, a partir de 31 de dezembro de 2024 (MPV 1.173/2023). O texto perde validade em 28 de agosto.
A lista é encerrada com a medida provisória que trata do novo salário mínimo (MPV 1172/2023). O texto ratifica o novo piso em R$ 1.320,00, vigente desde 1º de maio de 2023. Os valores diário e horário também foram aprovados a R$ 44,00 e R$ 6,00, respectivamente, conforme previa a proposta original encaminhada pelo Palácio do Planalto.
Pela versão aprovada, também ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo, que entra em vigor a partir de 2024. O valor dos reajustes decorrerá da soma do índice de medida da inflação do ano anterior, para a preservação do poder aquisitivo, com o índice correspondente ao crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores.
Considerando o crescimento de 2,90% do PIB em 2022 e a estimativa do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024 de um crescimento de 1,6% e 2,3% neste ano e no próximo, respectivamente, o salário mínimo aumentaria, com essa regra, para R$ 1.461,00 em 2024, R$ 1.534,00 em 2025 e R$ 1614,00 em 2026.
Além disso, durante as discussões em comissão mista no Congresso Nacional, foi incorporado ao texto parte do conteúdo de outra medida provisória (MPV 1171/2023), que trata da atualização da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e da tributação de “offshores” mantidas por brasileiros no exterior e que regulamentava o funcionamento dos trusts.
Tais pontos corriam sérios riscos de “caducar”, já que esta segunda medida provisória perde validade em 27 de agosto e sequer teve comissão mista instalada no parlamento. Mas mesmo sua inclusão no projeto de lei de conversão da MPV 1172/2023 pelo relator da matéria, o deputado Merlong Solano (PT-PI), é garantia de que eles irão prosperar.
Isso porque a tributação de investimentos no exterior tem sofrido resistências na Câmara dos Deputados. Lideranças partidárias alegam que a inclusão dos pontos em outra MPV não foi acordada pelo governo federal e representa uma espécie de “jabuti”, já que a matéria é alheia ao conteúdo do texto original em discussão.
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De um lado, Haddad alega que a tributação das “offshores” é o único caminho planejado pelo governo para compensar os impactos da atualização da faixa de isenção do IRPF sobre as contas públicas, mas o atraso na reforma ministerial prometida por Lula ao “centrão” pode aprofundar ainda mais o mau humor dos parlamentares com a matéria.
As estimativas da equipe econômica são que as mudanças previstas na MPV 1171/2023 (a versão original que tratava das aplicações financeiras no exterior) tinham potencial de gerar arrecadação de R$ 3,25 bilhões em 2023. Neste caso, o montante estaria restrito à atualização do valor de bens e direitos fora do país, já que o novo regime de tributação somente geraria efeitos fiscais no ano seguinte. Já para os dois anos subsequentes, o ganho esperado seria de R$ 3,59 bilhões e R$ 6,75 bilhões, respectivamente.
De outro lado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já deixou clara sua insatisfação com a forma como o governo operou as modificações através de outra matéria em tramitação no parlamento.
Em meio ao desentendimento entre Lira e Haddad na semana passada, o parlamentar disse que o projeto de lei de conversão para a MPV 1172/2023 aprovado pela comissão mista contou “com algumas modificações e inclusões de temas que não estavam realmente previstos”. Mesmo assim, Haddad indicou que sua equipe trabalharia para “sensibilizar” os deputados a apreciarem a matéria.
Nos bastidores, a avaliação mais comum no meio político é que há uma tendência de os deputados aprovarem o novo salário mínimo e a atualização da tabela do IRPF, mas deixarem pelo caminho os trechos que tratam da tributação sobre investimentos no exterior. Neste caso, uma alternativa para compensar parte do impacto fiscal previsto seria o uso da tributação sobre apostas online (as “bets”).
O cenário, se confirmado, representaria uma derrota para Haddad, que precisará trabalhar para encaminhar o pauta das “offshores” via projeto de lei, correndo alto risco de a matéria não ser aprovada pelos congressistas ainda em 2023 ‒ o que poderia impedir sua vigência no ano seguinte e tornar ainda mais difícil o cumprimento do objetivo de zerar o déficit primário em 2024.
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