Fundo de Desenvolvimento Regional deve custar R$ 50 bilhões por ano, e governo quer iniciar capitalização antes do IVA, diz deputado
Um dos pontos mais sensíveis e relevantes para a construção de consenso em torno da reforma tributária entre o governo federal, estados e municípios, a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) deve contar com um aporte decisivo da União na faixa de R$ 50 bilhões anuais e sua capitalização pode começar a acontecer antes mesmo do início da implementação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual discutido pelo Congresso Nacional.
Quem diz isso é o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que foi coordenador do Grupo de Trabalho (GT) que se debruçou sobre a reforma tributária na Câmara dos Deputados e também é vice-líder do governo no Congresso.
Na semana passada, o colegiado aprovou, por 11 votos a 2 entre seus integrantes, um relatório com diretrizes para a redação do substitutivo (ainda não conhecido) para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do assunto no plenário da casa legislativa.
Em entrevista concedida ao InfoMoney na última sexta-feira (9), o parlamentar demonstrou otimismo com a possibilidade de avanço da matéria no parlamento, a despeito das dificuldades enfrentadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em construir uma base sólida de apoio sobretudo na Câmara dos Deputados.
Para ele, trata-se de matéria de interesse nacional e que contará com engajamento dos congressistas similar ao da aprovação recente do novo arcabouço fiscal. “Essa reforma tributária ganhou uma característica de reforma do Estado brasileiro. É uma reforma estruturante, para o setor produtivo, que vai dar ao Brasil competitividade nacional e internacional”, disse.
“Quando se trata de matéria estruturante, matéria do Estado brasileiro, o parlamento está presente independentemente da posição de governo e de oposição”, pontuou.
“Nós estamos trazendo para o nosso sistema tributário aquilo que há de melhor do ponto de vista da tributação sobre o consumo, que é um modelo de padrão internacional, de cobrar imposto no valor agregado. Nesse sentido, há muita simpatia pelo conjunto de parlamentares. Tenho convicção de que, mais uma vez, o parlamento vai aprovar essa matéria”, prosseguiu.
Assista à íntegra da entrevista pelo vídeo acima ou clicando aqui.
Durante a conversa, Lopes disse que há um “alinhamento político histórico” entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, que em outras oportunidades entraram em disputa pelo protagonismo na condução da matéria. Ele cita ainda o papel desempenhado pelo governo federal, que preferiu não encaminhar um texto próprio sobre o assunto e manifestar apoio ao conteúdo discutido no parlamento.
Superadas as discussões no GT, o desafio agora é intensificar o diálogo com representantes dos entes subnacionais e de setores econômicos para construir um texto apoiado por pelo menos 3/5 dos deputados federais e senadores − quórum exigido para a aprovação de uma PEC nas duas casas do Congresso Nacional. O objetivo é que o texto seja aprovado no plenário da Câmara dos Deputados antes do recesso parlamentar de 17 de julho. E no Senado Federal no segundo semestre.
“É uma reforma estruturante, para o setor produtivo, que vai dar ao Brasil competitividade nacional e internacional. O atual sistema é muito complexo, um sistema praticamente de exceções, e que levou o país a ter um PIB − quase R$ 9 trilhões − ou na Justiça ou no administrativo. O ‘custo Brasil’ é enorme”, argumentou.
“É também um modelo de cumulatividade tributária, que cobra imposto em efeito-cascata. Ou seja, faz com que o Brasil produza produtos e serviços mais caros para o povo. E também impede o Brasil de ser um país exportador com valor agregado. Tanto que o déficit comercial na pauta de bens manufaturados chegou no ano passado em US$ 128 bilhões, e US$ 1 bilhão significa, na indústria, 30 mil empregos diretos. Ou seja, o Brasil virou um país exportador de empregos e importador de bens manufaturados. Nós precisamos rever esse sistema”, continuou.
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Apesar da concordância em relação aos vícios e ineficiências do sistema tributário em vigor, a multiplicidade de interesses envolvendo diferentes unidades da federação e municípios de todos os portes, além de demandas de diversos setores econômicos, impõe um desafio de décadas para a construção de um consenso mínimo em torno de um novo modelo.
Lopes reconhece que, para a proposta avançar serão necessárias concessões e a participação ativa do governo federal. Embora haja uma percepção de governadores que o uso de benefícios fiscais como forma de atrair setores específicos da economia gera prejuízos para a economia brasileira e perda de competitividade, incentivos de curto prazo e a percepção de risco de perdas têm superado a compreensão de ganhos futuros e inviabilizado um endosso à migração de regime.
Por isso, a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) bancado pela União, que garanta a compensação de todas as perdas calculadas para cada ente federado, é visto pelo parlamentar como passo indispensável na busca de um acordo. O tamanho do fundo ainda é assunto em discussão entre as partes, mas Lopes acredita que deverá girar em torno de R$ 50 bilhões ao ano. Governadores ainda querem que o dispositivo entre para o rol de exceções aos limites de despesas impostos pelo novo arcabouço fiscal, de modo a garantir que não haja problemas de repasses no futuro.
“Acredito muito numa política de desenvolvimento regional organizada e [que possa] fortalecer nosso modelo federativo. Hoje ele é muito de concorrência, de competição. A partir do momento em que há um fundo, ele pode ser mais colaborativo. E podemos ter políticas públicas mais objetivas, que potencializem verdadeiramente as vocações regionais. Há muitas regiões que estão adormecidas, que, com recursos públicos, podemos potencializar uma vocação econômica específica”, disse o deputado.
Segundo Lopes, há uma compreensão entre integrantes do governo federal de que a constituição deste fundo e o financiamento de uma política nacional de desenvolvimento regional seria papel da União. Além disso, ele disse que a equipe econômica entende ser possível iniciar a capitalização do fundo antes mesmo do início da implementação do IVA subnacional − ou seja, do imposto que tratará da unificação do ICMS (cobrado pelos estados) e do ISS (cobrado pelos municípios).
No relatório aprovado pelo Grupo de Trabalho da reforma tributária da Câmara dos Deputados, uma das diretrizes prevê o respeito aos benefícios fiscais do ICMS convalidados até 2032 pela Lei Complementar nº 160. Desta forma, é possível que o processo de transição do IVA subnacional seja mais lento do que a do IVA federal − parte da simplificação tributária que trata dos impostos federais (PIS, Cofins e IPI).
O relatório aprovado pelo GT também orienta que se adote uma alíquota padrão, mas sejam permitidas outras alíquotas para bens e serviços específicos. A recomendação do colegiado é evitar sua aplicação a setores da economia como um todo, limitando-se a sua aplicação a alguns bens e serviços elencados na emenda constitucional, de modo a evitar o aumento da carga tributária (já que, quanto mais exceções, maior precisaria ser a alíquota para compensar tais efeitos).
Na lista, de bens e serviços favorecidos são mencionados pelo documento aqueles relacionados à saúde, educação, e transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano e aviação regional, bem como a produção rural. Além desses, o texto deixa em aberto a discussão sobre a possibilidade de manter o tratamento diferenciado aos produtos da cesta básica.
Durante a entrevista ao InfoMoney, Reginaldo Lopes defendeu a criação de uma alíquota padrão e que as demais, oriundas de algum benefício, sejam definidas a partir de um percentual da primeira. Isso evitaria o risco de uma reedição da “guerra fiscal” entre os entes subnacionais, ainda que em menor proporção do que o observado atualmente. Para ele, o ideal seria ter algo como três ou quatro alíquotas em todo o novo regime.
“O ideal seria termos uma alíquota padrão, uma alíquota de equilíbrio na faixa de 60% da alíquota padrão, e alíquota 0%. Ou mais uma outra intermediária. Seria um sucesso. Esse é o desafio para fazermos os acordos e conseguir manter essa unidade com todos os setores produtivos e conseguir a aprovação no plenário da Câmara dos Deputados”, pontuou.
O parlamentar também defende que o novo regime tenha um mecanismo de “cashback”, que garanta a devolução de parte do imposto pago sobre o consumo por determinados grupos da população − por critérios que seriam especificados por lei complementar, mas que poderiam seguir renda, gênero e raça. A contrapartida seria uma reoneração, preferencialmente parcial, dos produtos da cesta básica.
Ele diz que o instrumento poderia trazer maior progressividade ao sistema brasileira, compensando em alguma medida o fato de a carga tributária incidir majoritariamente sobre o consumo (o que fatalmente afeta proporcionalmente os mais pobres).
“O cashback é extremamente importante para atender as pessoas de menor poder econômico. Os mais ricos já têm cashback. As pessoas que fazem declaração de Imposto de Renda têm as restituições. E quem não tem nenhuma restituição são os mais pobres”, sustentou.
“O Brasil é muito injusto. Nós temos um sistema tributário que a maior arrecadação vem dos impostos sobre consumo. Nós arrecadamos a metade sobre renda e patrimônio do que arrecadam os países da OCDE”, continuou.
“É uma política mais eficiente onerar parte da cesta básica, de alimentos ou outros produtos, e devolver para os mais pobres aquele imposto que foi pago. Isso cria uma consciência fiscal enorme em nosso país”, disse.
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