Câmara aprova MP dos ministérios, com Meio Ambiente e Povos Indígenas enfraquecidos; Senado tem 1 dia para aprovar texto
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (31), o projeto de lei de conversão para a medida provisória que trata da organização básica da Presidência da República e dos ministérios (MPV 1.154/2023).
O texto, sob a relatoria do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), recebeu 337 votos favoráveis e 125 contrários. Um parlamentar se absteve de votar. Os deputados agora se debruçam sobre destaques de bancada com o objetivo de modificar a versão aprovada. Depois, o texto ainda precisa passar pelo Senado Federal.
O resultado ocorre em meio a manifestações públicas de insatisfação dos parlamentares com a articulação política conduzida pelo Palácio do Planalto, mas não deixa de ser notícia favorável ao governo, que durante boa parte do dia viu suas intenções com a matéria ameaçadas e precisou acelerar a liberação de emendas parlamentares para destravar a votação.
Representantes de partidos autointitulados independentes, como União Brasil, PP e Republicanos, afirmaram que o voto favorável à MPV seria um último gesto de boa vontade com o governo.
O relator promoveu modificações relevantes em relação à versão original editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As mais relevantes envolvem uma redução de atribuições do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), e do Ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de Sonia Guajajara (PSOL).
Apesar de incomodado com as alterações na matéria, o governo decidiu correr contra o tempo para concluir a tramitação legislativa do texto e evitar que a medida provisória perdesse validade (ou seja, “caduque”, no jargão político). Para isso, ainda é necessária aprovação pelo Senado Federal sem alterações de mérito até a noite de quinta-feira (1º).
Caso os senadores decidam derrubar a matéria ou não analisem a tempo o texto, a Esplanada dos Ministérios voltaria ao desenho vigente no governo de Jair Bolsonaro (PL). Na prática, a estrutura de 37 pastas formada por Lula em seu terceiro mandato passaria a contar com as 23 da gestão anterior. Derrota que nenhum dos antecessores de Lula desde a redemocratização sofreu.
Isso implicaria na extinção dos ministérios dos Povos Indígenas, do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres e dos Direitos Humanos.
No campo econômico, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − comandados respectivamente por Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB), Esther Dweck e Geraldo Alckmin (PSB) − voltariam a ser uma coisa só.
Caso os senadores aprovem qualquer mudança de mérito no texto, ele precisará voltar para análise da Câmara dos Deputados, que tem a palavra final sobre a versão a ser encaminhada para sanção presidencial. Nesta hipótese, no entanto, cresce ainda mais o risco de a medida provisória “caducar” pela falta de tempo hábil para mais uma etapa de tramitação.
O plano inicial do Palácio do Planalto era que o projeto de lei de conversão fosse votado pelos deputados na terça-feira (30). Houve uma tentativa de inverter a pauta para que o assunto fosse o primeiro da ordem do dia na sessão plenária da casa legislativa, mas os parlamentares acabaram discutindo antes o marco temporal para a demarcação de terras indígenas e a medida provisória do novo Bolsa Família (MPV 1.164/2023).
Em meio à percepção de risco de derrota do governo na MPV da reestruturação dos ministérios, um acordo entre os líderes partidários adiou a votação para quarta-feira. Como consequência, o prazo para tramitação do texto ficou ainda mais apertado, reduzindo a margem para negociação por parte do Palácio do Planalto.
Preocupado com as derrotas no Congresso Nacional e o risco de prejuízo com a medida provisória, Lula convocou para esta manhã uma reunião de emergência com o núcleo da articulação política do governo. Estiveram presentes os ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), e o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE).
Ainda na manhã desta quarta-feira, Lula telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e fez um apelo para a aprovação da medida provisória. Em resposta, o parlamentar teria manifestado preocupação com a interlocução do governo na casa legislativa e a ausência de uma base sólida de apoio para votações.
Apesar da aprovação do texto pelos deputados no limite do prazo, o quadro de governabilidade segue delicado na Câmara dos Deputados. Parlamentares de diversas siglas têm manifestado insatisfação com a falta de espaços no governo e cobram mais celeridade na liberação de recursos de emendas e cargos de segundo escalão nas pastas.
Vitória com sabor de derrota
A medida provisória em discussão trata de 31 ministérios, ante os 17 da gestão de Bolsonaro, e 6 órgãos com status de ministério ligados à Presidência da República. Desses 37 atuais, 13 já existiam; 19 surgiram de desmembramentos; 2 foram renomeados; e 3, criados. Segundo o governo Lula, a reestruturação não gerou aumento nas despesas.
Mas o substitutivo do relator Isnaldo Bulhões Jr. trouxe mudanças importantes em relação à versão encaminhada pelo Poder Executivo ao parlamento, com derrotas sobretudo para as ministras Marina Silva e Sonia Guajajara.
Pelo texto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro e ao qual caberá sugerir novas áreas destinadas a povos tradicionais.
A versão final do parecer determina ainda a redistribuição de algumas atribuições relacionadas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada pela MPV ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Parte das responsabilidades passará ao Ministério da Agricultura e Pecuária, ao qual a Conab pertencia antes.
Serão atribuições do Ministério da Agricultura a garantia de preços mínimos, à exceção dos produtos da sociobiodiversidade, as ações sobre comercialização, abastecimento e armazenagem, bem como as informações dos sistemas agrícolas e pecuários − entre elas, os preços de mercado do boi gordo e das sacas de grãos.
Em razão dessa mudança, o texto aprovado acabou alterando responsabilidades da pasta do Desenvolvimento Agrário associadas ao desenvolvimento e à sustentabilidade da agricultura familiar. Caberá ao ministério, por exemplo, a garantia dos preços mínimos da produção das famílias no campo e o apoio ao cultivo de orgânicos.
Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, pelo texto aprovado, deixará de ter algumas atribuições. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), que no governo Bolsonaro saiu do Meio Ambiente e passou para a Agricultura, agora estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Os sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje na pasta do Meio Ambiente, vão para o Ministério das Cidades — que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será integrada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
O Ministério das Comunicações assumirá a política nacional de conectividade e de inclusão digital e a rede nacional de comunicações. Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome deverá responder por inciativas para redução no uso abusivo de álcool e outras drogas.
Outra alteração na MPV incluída pelo relator autoriza o Poder Executivo a tomar medidas para a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já prevista na MPV 1.156/2023, cuja validade também expira na quinta-feira (1º). As medidas decorrentes do fim da Funasa caberão aos Ministérios das Cidades; da Gestão; e da Saúde.
O texto aprovado incorpora a MPV 1.161/2023, pela qual o presidente da República poderá definir, por decreto, a composição do conselho do Programa de Parceira de Investimentos (PPI). Hoje a definição deve ser feita por meio de lei. Segundo Isnaldo Bulhões Jr., a medida provisória não será votada e perderá a validade em 9 de junho.
Por outro lado, o relator deixou de fora a MP 1.158/2023, que transferiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para a Fazenda. A MPV perderá a validade em 1º de junho, e então o Coaf, unidade de inteligência para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e à corrupção, retornará ao BC.
(com agências)
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