Apesar de vitória em arcabouço fiscal, Lula patina em articulação política no Congresso e enfrenta riscos com Medidas Provisórias

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Mesmo com a aprovação do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) por ampla maioria na Câmara dos Deputados, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda enfrenta dificuldades na articulação política junto ao Congresso Nacional, com uma base de apoio fluida e em meio a recorrentes recados do “centrão” e sinais de rebeldia de bancadas mais próximas de sua zona de influência.

Na semana passada, o governo sofreu com ao menos três tropeços em votações no parlamento. Um deles com a apreciação da medida provisória que trata da reestruturação dos ministérios (MPV 1154/2023) em comissão mista, que esvaziou atribuições das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Outro com a aprovação de requerimento de urgência para projeto de lei que trata do marco temporal na demarcação de terras indígenas, por esmagadora maioria.

E um terceiro na votação de medida provisória que muda o prazo para o proprietário ou posseiro de imóveis rurais a fazer adesão ao Programa de Regularização Ambiental (MPV 1150/2020), que reinseriu ao texto dispositivo que altera a Lei da Mata Atlântica para permitir desmatamento quando da implantação de linhas de transmissão, gasodutos ou sistemas de abastecimento de água sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental ou compensação de qualquer natureza.

Em contraste com a importante vitória para a agenda econômica, os operadores do Palácio do Planalto também têm sofrido para fazer avançarem medidas provisórias editadas nos primeiros meses de gestão − cenário agravado por uma insuperável queda de braço entre as duas casas legislativas em relação ao rito que deveria ser adotado na tramitação desses dispositivos considerados fundamentais no exercício da Presidência da República.

Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em alegadas situações de relevância e urgência. Elas produzem efeitos jurídicos imediatos a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU) − salvo quando há indicações de prazos diversos no próprio texto ou exigências legais de períodos de carência, como no caso de noventenas envolvendo a cobrança de tributos. As MPVs, no entanto, precisam de posterior apreciação pelo Congresso Nacional, dentro do prazo máximo de 120 dias, para se converterem definitivamente em leis ordinárias. Do contrário, perdem validade (“caducam”, no jargão político), exigindo que o parlamento decida, por decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas durante o período de vigência das normas.

O regimento comum do Congresso Nacional determina que, nas 48 horas que se seguirem à publicação, no Diário Oficial da União (DOU), de Medida Provisória adotada pelo Presidente da República, a presidência da mesa diretora do parlamento designará uma comissão mista, formada 12 deputados federais, 12 senadores e iguais quantitativos de suplentes (além de 1 vaga adicional destinada às minorias), para emitir parecer sobre ela. Os nomes que comporão os colegiados são indicados pelos líderes, sempre obedecendo a proporcionalidade dos partidos ou blocos em cada casa legislativa.

Seria apenas após a votação de parecer na comissão mista que a matéria passaria a tramitar no plenário de cada casa legislativa, começando pela Câmara dos Deputados e encerrando análise no Senado Federal. Tal rito regular para análise de MPVs foi suspenso durante a pandemia de Covid-19, sendo criado um regime excepcional para a tramitação dessas matérias, com discussão e deliberação diretamente nos plenários. Na prática, isso deu maior poder para os presidentes das casas legislativas (sobretudo no caso da Câmara dos Deputados, como casa iniciadora), que tinham mais condições de indicar relatorias e ter mais controle sobre o processo legislativo.

Com o abrandamento da crise sanitária, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinou a retomada do rito original, apoiado por senadores diante da percepção de maior proporcionalidade e protagonismo daquela casa no modelo antigo em comparação com aquele excepcional. Mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não aceitou e passou a defender a discussão de um novo rito das MPVs que respeitasse o fato de haver muito mais deputados federais (513) do que senadores (81) no parlamento brasileiro.

Criou-se um impasse que, por semanas, obstruiu o avanço de todas as medidas provisórias pendentes de análise do Congresso Nacional arrastando o governo para a crise. Um acordo pontual permitiu que Pacheco enviasse à Câmara 13 MPVs de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) − portanto, mais próximas de caducar − para que elas pudessem ser apreciadas pelos deputados e posteriormente pelos senadores. Delas, 10 foram encaminhadas à sanção presidencial ou já convertidas em lei, com redações finais envolvendo acordos com a atual administração. Uma delas foi judicializada.

Entre as medidas provisórias editadas pelo governo Lula, nenhuma teve tramitação concluída no Congresso Nacional, com aprovação nas comissões mistas e também pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

A tabela a seguir mostra uma radiografia das medidas provisórias mais recentes no parlamento:

Medida ProvisóriaAssuntoGovernoPublicação no DOUPrazo de 120 dias
Etapa de tramitação
MPV 1134/2022
Abre crédito extraordinário para cobrir transporte gratuito de idosos
Jair Bolsonaro (PL)26/08/202202/02/2023Perdeu validade
MPV 1135/2022
Permite ao governo adiar repasses aos setores da cultura e de eventos previstos nas leis Paulo Gustavo, Aldir Blanc 2 e no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos
Jair Bolsonaro (PL)29/08/202205/02/2023Perdeu validade
MPV 1136/2022
Revisa limites para o apoio financeiro da União às ações de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizadas por intermédio do FNDCT
Jair Bolsonaro (PL)29/08/202205/02/2023Perdeu validade
MPV 1137/2022
Concede a residentes ou domiciliados no exterior isenção de Imposto de Renda sobre rendimentos de aplicações feitas no Brasil em títulos privados
Jair Bolsonaro (PL)22/09/202201/03/2023Perdeu validade
MPV 1138/2022
Reduz imposto sobre transações internacionais intermediadas por agências de viagem e outras operadoras de turismo nacionais
Jair Bolsonaro (PL)22/09/202301/03/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1139/2022
Altera disposições relativas ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
Jair Bolsonaro (PL)27/10/202306/04/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1140/2022
Institui o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e distrital
Jair Bolsonaro (PL)27/10/202306/04/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1141/2022
Dispõe sobre as regras especiais para a contratação de pessoal, por tempo determinado, para a realização do Censo Demográfico de 2022
Jair Bolsonaro (PL)21/11/202230/04/2023Perdeu validade
MPV 1142/2022
Autoriza a prorrogação de contratos por tempo determinado no âmbito do Ministério da Saúde
Jair Bolsonaro (PL)30/11/202209/05/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1143/2022
Fixa o valor do salário mínimo em R$ 1.302 para o ano de 2023
Jair Bolsonaro (PL)12/12/202222/05/2023
Tramitação suspensa
MPV 1144/2022
Abre crédito R$ 7,5 bilhões para o Ministério do Trabalho e Previdência para pagar benefícios previdenciários
Jair Bolsonaro (PL)15/12/202225/05/2023Perdeu validade
MPV 1145/2022
Altera valor de taxa de fiscalização de bafômetros e tacógrafos
Jair Bolsonaro (PL)16/12/202226/05/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1146/2022
Altera tabela de cálculo de vencimento de servidores no exterior
Jair Bolsonaro (PL)19/12/202229/05/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1147/2022
Instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse, e reduz a zero por cento as alíquotas PIS/Pasep e Cofins sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo
Jair Bolsonaro (PL)21/12/202231/05/2023
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1148/2022
Prorroga benefícios fiscais para as empresas brasileiras que atuam no exterior até o ano calendário de 2024
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1149/2022
autoriza Caixa a administrar o fundo do DPVAT (o seguro de trânsito) em 2023
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1150/2022
dá mais 180 dias para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1151/2022
Estimula projetos de geração de créditos de carbono em concessões de unidades de conservação
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1152/2022
Altera regras do preço de transferência (tributação das trocas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico)
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1153/2022
suspende até 2025 a aplicação de multa a motoristas sem exame toxicológico
Jair Bolsonaro (PL)22/12/202201/06/2022
Encaminhada à sanção presidencial
MPV 1154/2023
Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Plenário da Câmara
MPV 1155/2023
Institui o Adicional Complementar do Programa Auxílio Brasil e do Programa Auxílio Gás
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1156/2023
Extinção da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1157/2023
Reduz as alíquotas do PIS/Pasep e Cofins sobre combustíveis
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1158/2023
Tira do Banco Central e devolve ao Ministério da Fazenda a responsabilidade sobre o Coaf
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1159/2023
Exclui da base de cálculo dos créditos do PIS/Pasep e da Cofins o ICMS incidente na aquisição de mercadorias
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1160/2023
Institui o ‘voto de qualidade’ do Carf a favor da União
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/01/202301/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1161/2023
Altera a composição do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)10/02/202309/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1162/2023
Regulamentação do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)15/02/202314/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1163/2023
Reduz alíquotas de contribuições incidentes sobre operações realizadas com gasolina, álcool, gás natural veicular e querosene de aviação
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)01/03/202328/06/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1164/2023
Institui o Programa Bolsa Família e altera a lei que dispõe sobre a organização da Assistência Social
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)02/03/202329/06/2023
Plenário da Câmara
MPV 1165/2023
Apresenta regras para o programa Mais Médicos
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)21/03/202301/08/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1166/2023
Institui o Prgrama de Aquisição de Alimentos
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)23/03/202303/08/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1167/2023
Prorroga prazo de adequação à nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)03/04/202311/08/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1168/2023
Abre crédito extraordinário para medidas emergenciais em comunidades indígenas
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)03/04/202314/08/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1169/2023
Abre crédito extraordinário para assistência a dez mil famílias atingidas pela estiagem no Rio Grande do Sul
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)06/04/202317/08/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1170/2023
Concede aumento salarial de 9% a servidores civis do Poder Executivo federal
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)28/04/202315/09/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1171/2023
Cria nova regra geral de tributação dos rendimentos de capital aplicado no exterior, em entidades controladas e trusts
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)30/04/202317/09/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1172/2023
Fixa o valor do salário mínimo, a partir de 1º de maio de 2023, em R$1.320,00
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)01/05/202318/09/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1173/2023
Altera o prazo para regulamentar programas de alimentação dos trabalhadores
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)01/05/202318/09/2023
Aguardando instalação de comissão mista
MPV 1174/2023
Institui o Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)15/05/202302/10/2023
Aguardando instalação de comissão mista

Fonte: Congresso Nacional

Em 5 meses, o mandatário editou 21 proposições desta natureza, mas apenas 5 comissões mistas foram instaladas por acordo pontual entre as duas casas legislativas. As matérias tratam de temas considerados fundamentais pelo atual governo, como estrutura administrativa da Presidência da República e dos ministérios; o novo Bolsa Família; e a retomada do programa Minha Casa, Minha Vida. Apenas as duas primeiras já foram submetidas à apreciação do plenário da Câmara dos Deputados. Sendo que aquela que trata da organização do Poder Executivo sofreu profundas modificações durante sua tramitação e “caduca” (ou seja, perde a validade) se não for votada nesta semana.

Outras 14 medidas provisórias de Lula já superaram a marca de 30 dias desde a publicação no Diário Oficial da União, mas sequer tiveram as respectivas comissões mistas instaladas no Congresso Nacional. Em algumas situações, o Palácio do Planalto já articulou inclusão de pontos específicos em outras MPVs em estágio mais avançado de tramitação − caso da extinção da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), prevista na MPV 1156/2023 e que foi incorporada ao parecer da MPV 1154/2023, que trata da organização básica da estrutura administrativa do governo.

Também foi o caso da MPV 1.147/2022, que originalmente instituía o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e reduzia a 0% as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo regular de passageiros.

Durante sua tramitação no parlamento, o dispositivo passou a incorporar conteúdos de três medidas provisórias: 1) a MPV 1157/2023, que trata da redução de alíquotas sobre operações realizadas com óleo diesel, biodiesel, gás liquefeito de petróleo, álcool, querosene de aviação, gás natural veicular e gasolina; 2) a MPV 1159/2023, que exclui o ICMS da incidência e da base de cálculo dos créditos do PIS/Pasep e da Cofins; e 3) e a MPV 1163/2023, que reduz alíquotas de contribuições incidentes sobre operações realizadas com gasolina, álcool, gás natural veicular e querosene de aviação.

Em outros, o governo decidiu encaminhar projeto de lei de mesmo teor que a medida provisória, diante da percepção de dificuldades de se avançar nas discussões no formato de MPV. Foi o que aconteceu com a MPV 1160/2023, que dispõe sobre o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) − uma das pautas prioritárias do Ministério da Fazenda na agenda de recomposição fiscal. O projeto de lei que trata desta mudança (PL 2384/2023) foi enviado pelo governo em 5 de maio, mas sequer teve despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Riscos de derrotas

Até a próxima quinta-feira (1º), 7 medidas provisórias podem perder validade caso não tenham tramitação concluída. Dentro do governo, a prioridade absoluta é a MPV 1154/2023, já que sem ela ministérios inteiros poderiam deixar de existir, retornando à estrutura do governo Bolsonaro.

É o caso de toda a área econômica, na qual os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − que voltariam a ser uma coisa só, no Ministério da Economia. E das pastas dos Direitos Humanos e da Cidadania, das Mulheres, e dos Povos Indígenas.

O texto aprovado pelos congressistas na comissão mista retirou atribuições importantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, alimentando forte insatisfação de Marina Silva (Rede). Pelo relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) passará a ser vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

Com o substitutivo, os sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, por sua vez, iriam para o Ministério das Cidades, que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

Apesar das profundas mudanças, o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) comemorou a aprovação do parecer na comissão mista na última quarta-feira (24) e disse que a prioridade é avançar para a conversão do texto em lei. “É uma vitória. Uma vitória expressiva, por sinal. Por 15 votos a 3 na comissão mista da medida provisória”, afirmou.

“Obviamente o que o governo queria era o ideal. A política é a arte de reivindicar o ideal e conquistar o possível. O governo gostaria de 100% do texto da MPV original. Não foi possível, mas nós conseguimos 95% do texto da MPV original”, pontuou Randolfe, que 10 dias atrás anunciou sua saída da Rede Sustentabilidade, em meio a diferenças públicas com Marina Silva. O líder ainda negou eventuais divisões no governo e disse que eventuais termos da MPV que estiverem em desacordo com o que foi encaminhado por Lula serão objeto de avaliação do próprio presidente.

Em relatório distribuído a clientes, os analistas da consultoria política Arko Advice compararam o atual momento vivido por Marina Silva à crise que culminou em sua saída do governo Lula II, em 2008. Além da possível perda de atribuições relevantes de sua pasta, a ministra enfrenta desgastes pelo embate envolvendo a exploração de petróleo pela Petrobras na chamada margem equatorial, próxima à foz do rio Amazonas, em projeto barrado por decisão do Ibama.

“O caso lembra o do licenciamento de hidrelétricas que integravam o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que colocou em posições opostas Marina e a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), culminando com a saída da ambientalista”, lembram os especialistas. Nos bastidores, chegou a circular a hipótese de uma saída da ministra do governo.

“O processo, contudo, tem também suas diferenças em relação ao ocorrido há 15 anos. Dessa vez, parte da derrota partiu do Congresso, sem o apoio explícito do governo”, pontuam. Para eles, um fator que também diferencia os episódios é a postura do presidente Lula, agora politicamente mais exposto ao discurso ambiental defendido nas últimas eleições e seus potenciais impactos na imagem internacional do Brasil − sobretudo com a confirmação de Belém (PA) como sede da COP30, em 2025.

Governando em bases instáveis

Os analistas da Arko destacam as vitórias e derrotas recentes de Lula no Congresso Nacional como um indicativo relevante de como serão as relações entre Executivo e Legislativo no atual governo. Ao contrário de seus dois mandatos anteriores, o presidente terá que lidar com um poder mais reduzido de pautar a agenda política, em contraste com um parlamento mais forte e independente.

“Mesmo que o chamado presidencialismo de coalizão continue vigorando, esse modelo passou por uma metamorfose devido a vários aspectos, entre os quais destacamos: 1) não temos mais os chamados partidos âncoras das coalizões, função exercida pelo PFL, nos governos FHC I e II, e pelo PMDB nos governos Lula I e II; 2) não há mais no Congresso um grande partido de centro hegemônico, como foi o PMDB; e 3) o que há hoje é um centro político fragmentando em diversos partidos médios, que, internamente, são divididos”, observa.

Para eles, o aumento do protagonismo político e orçamentário do parlamento dificulta a construção de coalizões estáveis para governar. O resultado é um maior risco de derrotas para o Palácio do Planalto no processo legislativo em meio a uma base volátil.

Na votação do arcabouço fiscal, por exemplo, partidos como MDB, PSD e União Brasil deram, respectivamente, 32, 40 e 50 votos favoráveis ao texto entre 42, 42 e 59 possíveis. Já na votação projeto de decreto legislativo para derrubar trechos de dispositivo editado pelo governo para o saneamento básico, as mesmas siglas entregaram 31, 20 e 48 votos contra o Executivo.

O analista político Thomas Traumann também destaca o poder de Arthur Lira, mesmo com derrotas sofridas como a resultante do veto às chamadas emendas de relator ao Orçamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que davam maior controle sobre recursos ao parlamentar.

“A estrondosa aprovação da nova regra fiscal por 372 votos na Câmara no mesmo dia que o relatório da MPV de reorganização dos Ministérios desordenou a configuração do governo Lula comprova o poder de Lira”, afirma o especialista em relatório a clientes.

Hoje ele destaca como um dos principais pontos em debate entre governo e parlamentares a dinâmica da distribuição de recursos em emendas, que poderá determinar as condições de o Palácio do Planalto construir uma base mais ou menos sólida para as pautas que chegarão ao Congresso ou negociar a cada nova votação.

“Lira não é mais tão poderoso para mandar no governo, como na gestão Bolsonaro, mas ainda é o suficiente para fazer a diferença entre o governo Lula viver ou só sobreviver”, observa Traumann. O desfecho da tramitação de medidas provisórias nesta semana dará novas sinalizações sobre o futuro da correlação de forças em Brasília.

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Marcos Mortari

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