PL das Fake News deve ser votado até o fim do semestre, diz Orlando Silva
Retirado de pauta no início do mês, após pedido do relator Orlando Silva (PCdoB-SP) ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o PL das Fake News (PL 2630/2020) deve voltar ao plenário da Casa até o fim do próximo mês.
A previsão é do próprio deputado federal, que reconheceu as dificuldades para chegar a um consenso sobre o tema nas conversas recentes com parlamentares e representantes das empresas de tecnologia.
Segundo Silva, a pressão exercida pelas big techs até o momento tem afastado o tema de uma solução definitiva, e pode fazer, inclusive, com que o texto não seja votado.
Durante evento realizado nesta segunda-feira (22) na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o parlamentar alegou que o modelo de negócios das empresas de tecnologia atualmente é baseado no extremismo, onde “engajamento é relevância”.
O deputado revelou que o maior ponto de divergência atualmente está na criação de uma entidade autônoma de supervisão para fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar eventuais sanções às plataformas no caso de irregularidades. Segundo ele, o trecho foi retirado do substitutivo como forma de facilitar a busca por consenso com representantes da direita.
Atualmente, há duas propostas na mesa. A primeira seria delegar essa função à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas o fato do órgão ser responsável por regular os provedores de internet causa ressalvas entre alguns parlamentares.
A outra é uma sugestão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que aponta o surgimento de uma nova autarquia com representantes dos Três Poderes e da sociedade civil como a melhor alternativa.
Em outro movimento para facilitar a busca por um denominador comum entre os parlamentares, Silva disse que apoiou a retirada de dois artigos (31 e 32) do texto do projeto de lei para que fossem debatidos separadamente.
O artigo 31 diz: “Os conteúdos protegidos por direitos de autor e direitos conexos utilizados pelos provedores, incluindo-se aqueles ofertantes de conteúdo sob demanda e produzidos em quaisquer formatos que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração a seus titulares pelos provedores, inclusive os provedores de aplicações ofertantes de conteúdo sob demanda, na forma de regulamentação pelo órgão competente, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e independente”.
Já o artigo 32, também retirado para um debate à parte, trata sobre a remuneração de conteúdo jornalístico. O trecho diz: “Os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas, na forma de regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente”.
Fontes ouvidas pelo InfoMoney apontam que a supressão desse trecho em específico pode valer o apoio de representantes da bancada religiosa. Outro trunfo na manga do relator é o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira, à aprovação do projeto.
Lira tem se manifestado de maneira contrária à postura exercida pelas empresas e chegou a questionar o comportamento das big techs junto à Procuradoria Geral da República, o que provocou a abertura de um inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a conduta de diretores do Google e do Telegram. O parlamentar alegou que a referida atuação poderia configurar a prática de crimes contra as instituições democráticas e as relações de consumo.
Ainda que considere legítimo que o Judiciário atue para coibir o abuso econômico das plataformas, Silva considera que a decisão do ministro Alexandre de Moraes, de exigir a retirada das mensagens em massa disparadas pelo Telegram a usuários brasileiros criticando o texto e acusando a proposta de tentar impor censura, “distorceu o debate e induziu as pessoas ao erro”.
Silva revelou que chegou a enviar uma petição ao STF para que fosse concedido direito de resposta à Câmara, mas o pedido foi recusado pela Corte.
“Eu acredito que a melhor solução não foi adotada pelo STF. Meu ponto de vista era mais aberto do que a solução apresentada. O Telegram produziu e distribuiu conteúdo. Por analogia, qual seria o mecanismo mais adequado? Era dar direito de resposta, que fosse dado espaço para a Câmara dos Deputados apresentar um outro ponto de vista. Fiz a petição e foi recusada”, explicou.
Confira abaixo a entrevista concedida por Orlando Silva ao InfoMoney.
InfoMoney: Sobre a tramitação do PL das Fake News, existe uma tendência que seja fatiado o debate, ou não?
Orlando Silva: O projeto tem 62 artigos. A minha sugestão foi que dois desses artigos fossem retirados para tramitar à parte. Aqui em São Paulo quando a gente fala de fatia, eu só penso em pizza, pizza vai dividida em quatro pedaços, oito pedaços, 12 pedaços. Tirar dois artigos de 60 não é bem fatiar, mas pode nos ajudar. Porque são dois temas conexos mas não estritamente vinculados ao tema, que é questão de direito autoral e direitos conexos em plataformas de streaming, e junto à remuneração de conteúdo jornalístico, que em alguma medida dialoga com o tema do direito autoral. Tem um movimento que eu apoio, que esses dois artigos, artigo 31 e 32, do texto que apresentei, sejam abordados em outro projeto que fala sobre direito autoral.
IM: Isso não enfraquece o debate de maneira alguma?
OS: No meu ponto de vista, não. Não faria sentido. Há mais 60 artigos que versam sobre liberdade de expressão, sobre obrigação e transparência, sobre regime de responsabilidade, sobre publicidade digital, sobre estrutura do estado, sobre tipo penal. Há muitos outros assuntos que são relevantes e que merecem ser enfrentados.
IM: Atualmente qual é o principal ponto de divergência entre as bancadas?
OS: O principal impasse está vinculado a quem tem papel de regulação, quem fiscaliza a lei, quem aplica as sanções. Eu fiz uma sugestão que não foi bem recebida na Casa. Há um pleito de que a Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações assuma esse papel. A sociedade civil, através da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) apresentou uma nova proposta. Eu diria que arbitrar quem terá o papel regulatório é o principal desafio no momento atual.
IM: E qual é a posição do relator sobre o tema?
OS: Eu defendo, eu considero eficaz a criação de uma organização nova, mas essa minha opinião não forma maioria. Eu diria que, entre a Anatel e essa entidade sugerida pelo OAB, nós temos que escolher um modelo. Eu vou consultar os colegas para definir aquilo que tem a maioria no plenário. A melhor proposta é a proposta viável.
IM: Em relação ao Marco Civil da Internet, o julgamento foi adiado, o senhor acha que ele deve pautar esse debate do projeto de lei. Com essa possível omissão do Parlamento, o Judiciário entrar dando a interpretação dele pode enfraquecer a conversa no Congresso?
OS: Eu espero que o Congresso Nacional cumpra o seu papel e não deixe o espaço vazio para que o Judiciário adote alguma medida. Porque quando o Judiciário decide julgar um tema é porque o tema é relevante. Tem dez anos que houve essa provocação. A primeira provocação falava sobre Orkut, que é uma rede inexistente hoje na sociedade. Eu diria que o desafio do Congresso Nacional é votar um texto que projeta a sociedade brasileira, nossas crianças e nossos adolescentes, que o ambiente da internet seja mais saudável. Agora, é evidente que eu reconheço, em sendo omisso o Parlamento, o Judiciário pode e deve tomar decisões em proteção da sociedade brasileira.
IM: O projeto de lei prevê regras para plataformas que tenham 10 milhões de usuários brasileiros cadastrados, mas também ocorrem articulações envolvendo violência contra menores, tráfico de drogas e tráfico de armas em redes menores. Como o senhor enxerga essa questão?
OS: Nós devemos manter a lógica de obrigações para empresas que tenham mais de 10 milhões de usuários no Brasil, ressalvando o trabalho dirigido a crianças e adolescentes. Aqui nós vamos admitir que obrigações sejam estabelecidas para redes que tenham número menor de 10 milhões de usuários. É uma forma de você adicionar uma camada de proteção à infância e adolescência que muitas vezes são vítimas de iniciativas urdidas, preparadas, em redes sociais menores, o Discord virou a mais famosa. Ele deve ter de dois a três milhões de usuários no Brasil. É muito utilizada no trabalho educacional, mas também foi identificado o uso malicioso. Então nós teremos tratamento específico no que diz respeito no enfrentamento de crimes contra crianças e adolescentes.
IM: Com uma possível aprovação do projeto, qual é a principal consequência que o senhor vê para a sociedade brasileira?
OS: É nós continuarmos utilizando as maravilhas da internet, serviços de mensagens e redes sociais e combatermos efeitos colaterais. Porque a desinformação, discursos de ódio, crimes que são praticados na internet são praticados por uma minoria. A grande maioria, a quase totalidade de quem usa redes sociais e serviços de mensagens, fazem uso legítimo muito importante. Nós temos que aumentar o uso. Nós temos que permitir o acesso a pacote de dados e a internet para todos, para que aquilo seja potencializado. Imagina a difusão de conhecimento, de educação e de cultura que você pode fazer a partir das redes sociais. É incrível. O objetivo nosso é combater efeitos colaterais, como identifico a desinformação, o discurso de ódio e a violência, que sobretudo há um foco e preocupação nossa envolvendo crianças, adolescentes, mulheres, que são muito vítimas de crimes na internet.
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