“Governo quer desfazer reformas já feitas”, diz José Márcio Camargo
A intenção do governo Lula de desfazer medidas adotadas pelos presidentes Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB) na área econômica pode ameaçar a retomada de investimentos no País, segundo o professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
“Há uma série de anúncios antirreformas, de volta atrás das reformas dos últimos seis anos que foram importantes para gerar aumento de investimento”, diz o economista.
Para ele, neste começo de ano, o comportamento do Congresso, “aparentemente responsável”, tem sido positivo por evitar que as mudanças nas reformas avancem.
“Até que ponto isso tem a ver com um Congresso ideologicamente mais resistente ou com o fato de o governo ainda não ter pago as emendas? Espero que seja a primeira hipótese. Vamos ver.”
A seguir, confira trechos da entrevista:
Qual avaliação o sr. faz dos primeiros quatro meses de governo?
O início foi muito negativo, principalmente do ponto de vista fiscal. Todas as notícias eram de aumento de gastos, sem que houvesse afirmação de onde viria o dinheiro. Os investidores começaram a ficar preocupados. Aí veio o arcabouço, que, com todos os problemas, deu um sinal importante de que tem alguém minimamente preocupado com a fonte de recursos para financiar o aumento de gastos. É um arcabouço com mil problemas, de aumento de despesas baseado em aumento de receitas, mas é melhor do que a situação inicial. O grande problema é que, depois que você faz as contas, vê que é muito pouco provável que o governo consiga atingir o equilíbrio fiscal no ano que vem. O arcabouço não é suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB, que deve chegar a 92% em 2030. Dada essa trajetória, será que os investidores estarão dispostos a financiar a dívida a uma taxa de juro sustentável? Provavelmente, não.
Fora a questão fiscal, como vê o que vem sendo feito?
O governo Lula, ao contrário dos anteriores, está com uma estratégia de desfazer o conjunto de reformas dos últimos seis anos, uma tentativa de mudar o marco regulatório do saneamento, de fazer outra reforma trabalhista, de voltar com algo similar à TJLP (taxa de juros de longo prazo). É uma série de anúncios antirreformas, de volta atrás das reformas dos últimos seis anos que foram importantes para gerar aumento do investimento. Essa interferência na Eletrobras é extremamente negativa. A atração de investimento para o Brasil vai diminuir porque a interferência na privatização aumenta a incerteza jurídica. O limite (de poder de voto do governo no conselho da Eletrobras) é uma coisa normal no mercado financeiro. Várias empresas têm essa estrutura. Se o STF der ganho de causa para o governo, vai ser um desastre para o País conseguir atrair investimento.
As medidas estão fora do que o sr. esperava quando o presidente foi eleito?
Eu achava que seria pouco responsável do ponto de vista fiscal. Não é uma característica do PT a responsabilidade fiscal. Isso existiu no primeiro mandato do Lula, mas estava mais ligado ao ministro (da Fazenda, Antonio) Palocci. O PT sempre defendeu aumento de gastos para gerar crescimento e reduzir pobreza. Mas me surpreendeu o volume. Também me preocupava com o fato de que o governo não teria gosto pelas reformas. É um governo que não acredita nelas. Minha avaliação era de que seriam paralisadas e cresceríamos pouco. Mas é pior: o governo está tentando desfazer reformas feitas nos governos passados.
O sr. já havia criticado algumas medidas, como o arcabouço fiscal sem punição e o imposto sobre exportação de petróleo. Há algo do que foi feito até agora que veja como positivo?
O arcabouço não é suficiente, mas é positivo, porque sinaliza que existe preocupação com o equilíbrio fiscal. Do jeito que está, ele exige que alguma coisa seja feita para gerar equilíbrio fiscal. Outro ponto, que não tem a ver com o governo, é o comportamento aparentemente responsável do Congresso de evitar um passo atrás nas reformas implementadas nos últimos anos. Outra coisa positiva é a reforma tributária. Mas tenho dúvidas de que vai ser aprovada da forma como está sendo anunciada pelo (secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard) Appy. A proposta é bastante positiva, mas estão começando a aparecer resistências fortes.
Há risco de que projetos como a reforma tributária fiquem travados?
Pode travar. Tem muito lobby contra a reforma, porque alguns setores vão pagar mais imposto, apesar dos ganhos de produtividade. Agora, o governo não conseguiu aprovar duas propostas que considerava importantes: o PL das Fake News e a mudança no marco regulatório de saneamento. Minha pergunta é: até que ponto isso tem a ver com um Congresso ideologicamente mais resistente ou com o fato de o governo ainda não ter pago as emendas? Quando começar a pagar, vão votar a favor dos projetos, como era no passado? Espero que seja a primeira hipótese. É possível que realmente tenha mudado o comportamento do Congresso e ele tenha se tornado mais propositivo. Vamos ver.
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