No Senado, Haddad diz que sistema tributário brasileiro é “colcha de retalhos ingovernável” e critica decisões do Judiciário
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), voltou a criticar, nesta quinta-feira (27), o sistema tributário brasileiro e defender medidas tomadas pelo governo federal para recompor a base fiscal do Estado como forma de equilibrar as contas públicas.
Durante sua fala inicial em debate no Senado Federal, Haddad também chamou atenção para os impactos fiscais provocados por decisões recentes tomadas pelo Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF).
A sessão de debate tem como assunto “Juros, Inflação e Crescimento” e conta com a participação da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
“Nós fomos na raiz do problema. A maneira que escolhemos de fazer o ajuste foi abrindo a caixa preta das renúncias fiscais − o chamado gasto tributário”, afirmou.
“Todo economista sério que conheço tem um olhar voltado para a questão da eficiência, do descalabro que se tornou o sistema tributário brasileiro: uma colcha de retalhos absolutamente ingovernável”, prosseguiu.
No plano estadual, Haddad disse que o ICMS (principal fonte de arrecadação das Unidades da Federação) se tornou “ponto de atenção gravíssimo”, em referência à guerra fiscal e a distorções promovidas a partir do tributo.
Já em nível federal, ele argumenta que os problemas do sistema tributário brasileiro ficaram mais claros a partir de decisões judiciais. “A mais grave [foi] a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que suprimiu, em uma decisão, R$ 100 bilhões das receitas primárias do governo federal, sem nenhuma medida tomada no sentido de recomposição da receita perdida”, criticou.
“E o pior: a decisão manda devolver o tributo não para quem pagou, o consumidor, mas para quem recolheu em nome de quem pagou − o que promove, inclusive, um enriquecimento sem causa. A empresa cobrou PIS/Cofins na nota fiscal do consumidor, e agora vai receber o que recolheu. E o consumidor que pagou vai ficar esperando sentado”, continuou.
O ministro também citou o julgamento que ficou conhecido como “revisão da vida toda” do INSS, no qual o Supremo decidiu que, no cálculo do benefício previdenciário, devem prevalecer todas as contribuições, se o resultado for mais favorável ao segurado, e não apenas aquelas feitas a partir de julho de 1994, como estabeleceu a reforma de 1999.
“Aquilo que se alardeava de economia com a tal reforma previdenciária na casa de R$ 1 trilhão em dez anos evaporou com duas medidas do Poder Judiciário”, reclamou Haddad.
Por outro lado, o ministro elogiou a decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de permitir que a União cobre Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre ganhos obtidos por empresas com benefícios de ICMS concedidos pelos Estados. Os efeitos da decisão unânime, no entanto, estão suspensos por ordem do ministro André Mendonça, do STF.
“Ontem tivemos uma vitória importante por unanimidade no STJ, que repõe um pouco da injustiça que vem sendo cometida com o Tesouro Nacional, que é quem dá sustentação a todas as políticas públicas, inclusive as de fomento ao desenvolvimento”, declarou Haddad.
Durante sua fala inicial, o ministro voltou a defender o ajuste fiscal focado no lado das receitas e apontar um olhar específico para benefícios setoriais. “Há que se falar em corte de gastos? Sim. Sobretudo o gasto tributário”, disse. Este tem sido o caminho indicado pela equipe econômica para buscar o cumprimento das metas de resultado primário indicadas no novo arcabouço fiscal.
“Temos que abrir essa caixa preta e discutir com a sociedade, item por item, para onde está indo o recurso público. Estamos falando de quase R$ 500 bilhões explícitos da peça orçamentária, em seus respectivos anexos, de renúncia fiscal e outros R$ 100 bilhões que não estão na lei orçamentária, porque são tributos que sequer são considerados para fins fiscais, em virtude da frouxidão da nossa legislação, com práticas absolutamente inadequadas e inaceitáveis no mundo desenvolvido”, pontuou.
Haddad também criticou benefícios fiscais concedidos pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 às vésperas das eleições. “Herdamos uma situação muito delicada. O ano de 2022 foi absolutamente atípico. As estimativas do Tesouro Nacional são de que, em virtude do processo eleitoral, foram gastos valores (…) da ordem de R$ 300 bilhões. R$ 300 bilhões que o Brasil não dispunha”, afirmou.
“Esta herança precisa ser administrada de alguma maneira. Temos que conseguir reequilibrar as contas públicas, seguindo a orientação das urnas: não sacrificar os mais pobres, aqueles que dependam do Estado brasileiro para se desenvolver, as famílias brasileiras que poderiam ser prejudicadas se fossem mantidas as regras anteriores”, salientou.
“Nós vamos ficar mais 7 anos sem aumentar o salário mínimo? Nós vamos ficar mais 15 anos sem aumentar a tabela do SUS? Vamos ficar mais 7 anos sem revisão da tabela do Imposto de Renda? Ou nós vamos fazer o ajuste das contas justo, correto e que está sendo feito em proveito de um ambiente macroeconômico mais confiável para o Brasil?”, indagou.
Em seu discurso, Haddad disse que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tomado “medidas difíceis, impopulares”, mas que são necessárias para a sustentabilidade das contas públicas. “Não é fácil tomar medidas impopulares, mas são medidas que justamente saneiam as contas para permitir um horizonte de planejamento maior. Mas se não integrarmos as políticas monetária e fiscal, se não percebermos os vasos comunicantes entre elas, vamos ter muita dificuldade de fazer aquilo que a economia brasileira precisa”, afirmou.
Sentado ao lado de Campos Neto, o chefe da Fazenda ressaltou a importância de um trabalho coordenado entre os dois flancos da política econômica: o fiscal e o monetário. “Não vejo a política fiscal, a política monetária e a política prudencial separadas umas das outras. Elas fazem parte da mesma engrenagem. Se a economia continuar desacelerando por razões ligadas à política monetária, nós vamos ter problemas fiscais, porque a arrecadação vai ser impactada”, disse.
“Harmonização é absolutamente imprescindível para, a partir do ano que vem, crescermos com robustez, segurança, e permitir que esse crescimento faça as adequações necessárias desse enorme conflito que precisa ser superado com prudência, seriedade e sobretudo com transparência”, concluiu.
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