Revisão do FGTS: relator no STF vota por aumentar o rendimento do fundo e equipar à Poupança
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação que julga a correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no Supremo Tribunal Federal, votou nesta quinta-feira (20) pela mudança do rendimento do fundo do trabalhador.
Desde o início dos anos 1990, o saldo depositado no FGTS rende 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Mas Barroso afirmou em seu voto que a taxa não repõe as perdas inflacionárias e que o dinheiro não pode ter um rendimento inferior ao da Poupança.
Barroso votou também para que a decisão não seja retroativa — ou seja, que o novo rendimento passe a valer após a publicação da decisão. Com isso, o relator votou para acolher apenas parcialmente o pedido do Partido Solidariedade, que era de repor as perdas inflacionárias.
O ministro André Mendonça também seguiu o entendimento de Barroso e acrescentou, em seu voto, que a “TR para fins de correção monetária é inconstitucional”. Depois do voto de Mendonça, o julgamento foi suspenso no início da noite desta quinta-feira. O tema voltará ao plenário do Supremo em 27 de abril, segundo afirmou a presidente da Corte, a ministra Rosa Weber.
O relator do caso argumentou em seu voto que a remuneração atual (3% ao ano + TR) é inferior à da Poupança (que atualmente rende 0,5% ao mês + TR, ou 6,17% ao ano), mas não tem liquidez e que a correção atual prejudica os trabalhadores.
O Supremo começou a julgar hoje o tema, que tem potencial de ganhos significativos para os trabalhadores com carteira assinada (e de impacto bilionário para o governo federal). A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma estimativa de rombo de até R$ 661 bilhões nos cofres públicos.
O Instituto Fundo de Garantia (IFGT) calcula em R$ 720 bilhões as perdas dos trabalhadores com a correção do FGTS pela TR, em vez do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), no período entre 1999 e março de 2023.
O julgamento tem grande relevância para os trabalhadores, para o governo federal e para o próprio Judiciário, que foi inundado com centenas de milhares de ações individuais e coletivas nos últimos 10 anos que reivindicam a correção do saldo do FGTS por algum índice inflacionário.
A decisão também pode impactar o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e as construtoras voltadas a clientes de baixa renda. Análise do Bradesco BBI afirma que, “no pior cenário”, “se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia” e “muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida” (veja mais abaixo).
Ações suspensas
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5090 foi proposta pelo partido Solidariedade e tramita no Supremo desde 2014. É a quarta vez que a ação entra na pauta do STF, e nas ocasiões anteriores (2019, 2020 e 2021) houve corrida de trabalhadores para abrir ações individuais e coletivas, na expectativa de se beneficiar de uma possível decisão favorável.
O andamento de todos os processos está suspenso desde 2019, por decisão de Barroso, relator do caso no Supremo. O ministro tomou a decisão após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir, em 2018, unificar o entendimento e manter a TR como índice de correção do FGTS.
A decisão do STJ, desfavorável aos trabalhadores, criou o risco de que ações fossem indeferidas em massa por instâncias inferiores, antes de o Supremo se debruçar sobre o tema. Barosso então determinou a suspensão nacional de todos os processos, até decisão definitiva do STF.
Jurisprudência favorece trabalhadores
A expectativa da comunidade jurídica é que o Supremo decida que a aplicação da TR para a correção do saldo do FGTS é inconstitucional. “O Supremo já decidiu pela inconstitucionalidade da TR como taxa de correção monetária de depósitos trabalhistas e também de dívidas judiciais. Portanto, há esses precedentes que levam a crer em uma decisão similar sobre o FGTS”, afirmou o advogado Franco Brugioni, antes do julgamento, à Agência Brasil.
Em 2020, o Supremo considerou inconstitucional aplicar a TR para correção monetária de débitos trabalhistas. O entendimento foi de que a forma de cálculo da taxa, que é definida pelo Banco Central, leva em consideração uma lógica de juros remuneratórios e que ela não tem como foco preservar o poder de compra (que é o objetivo central da correção monetária).
A maior reclamação dos trabalhadores com carteira assinada é que a TR costuma ficar sempre abaixo da inflação — o que, na prática, corrói o poder de compra do saldo do FGTS. Além disso, a TR ficou zerada por longos períodos, em especial entre 1999 e 2013, devido à sua forma de cálculo (a taxa também ficou zerada em 2017 e 2019).
“A TR não é um índice capaz de espelhar a inflação. Logo, permitir a sua utilização para fins de atualização monetária equipara-se a violar o direito de propriedade dos titulares das contas vinculadas do FGTS”, argumenta o partido Solidariedade, autor da ação no Supremo.
Quem tem direito?
Brugioni disse antes do julgamento que, se o Supremo decidir pela aplicação de algum índice inflacionário, todos os cidadãos que tiveram carteira assinada de 1999 em diante teriam direito à revisão do saldo do FGTS. Mas o advogado ponderou que o mais provável é que haja alguma modulação para amenizar o imenso impacto sobre os cofres da União (como propôs Barroso em seu voto).
“É possível que o Supremo vá modular a questão, de forma a não permitir novas ações daqui para a frente. Talvez nem abarque quem entrou agora, talvez coloque uma linha temporal”, disse Brugioni (o voto do relator foi por definir que a nova correção passará a valer apenas daqui em diante).
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou como interessada na ação, devido ao grande volume de trabalhadores de baixa renda que procuram atendimento em busca da revisão do FGTS, e chegou a soltar nota pública orientando os interessados a aguardar a análise pelo Supremo antes de acionar o Judiciário.
Impacto nas contas públicas
Apesar de uma possível decisão favorável aos trabalhadores, análise do Bradesco BBI aponta um risco para as contas públicas e diz que, “no pior cenário, uma mudança na regra pode ser política e financeiramente prejudicial”.
“O FGTS detém atualmente R$ 642 bilhões em ativos, e as notícias mencionam uma perda potencial de R$ 700 bilhões. Simplificando: se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia”, aponta o Bradesco BBI.
A casa diz que uma decisão irrestrita do STF exigiria um aporte de capital do governo no fundo “e muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida (ou qualquer outro programa financiado com taxas subsidiadas do FGTS)”. Por isso, disse que esse pior cenário é “improvável”.
Sobre o FGTS
O FGTS foi criado em 1966 como uma espécie de poupança do trabalhador com carteira assinada. Antes facultativa, a adesão ao fundo se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988. Pela regras atuais, todos os empregadores são obrigados a depositar 8% do salário de seus funcionários no fundo (de empregados urbanos, rurais e, desde 2015, também de domésticos).
O dinheiro do trabalhador fica vinculado a uma conta gerida pela Caixa Econômica Federal e só pode ser sacado em condições previstas em lei (uma das principais é a demissão sem justa causa). O fundo também serve para financiar políticas públicas, sobretudo, o Sistema Financeiro Habitacional (SFH).
(Com informações da Agência Brasil)
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