Memorial Lajedo da Serra: grafites registram em pedras a história de Dona Inês, na Paraíba


Em comemoração ao Dia Mundial do Grafite, g1 conta como surgiu um memorial de arte popular a céu aberto feito em lajedo do Brejo Paraibano. Memorial Lajedo da Serra, em Dona Inês, PB, tem grafites que conta a história de formação da cidade e é inspirado em um cordel regional Tarcísio Play/Divulgação Na dureza rudimentar da pedra, o grafiteiro Tarcísio Play oferece leveza. O Memorial Lajedo da Serra fica a céu aberto, em Dona Inês, no Brejo paraibano. A obra é autoral e foi executada sem guindaste pelas mãos do artista – tudo baseado no cordel 'Dona Inês, Filha de uma Paixão', do cordelista local Mariano Ferreira da Costa. LEIA TAMBÉM: Grafite na UFPB homenageia Alph, aluno morto em caso ainda sem condenação Painel em grafite homenageia centenário de Jackson do Pandeiro, em Sousa, no Sertão Feito com cerca de 150 litros de tinta, o memorial reúne diversos grafites em um lajedo da cidade para contar a história lendária da formação de Dona Inês: um amor proibido entre uma senhora e um escravo que trabalhava para seu pai. Agora, o lajedo não se limita a ser uma área de extração de granito. A área que é fonte de renda para mais de 400 famílias da cidade agora também é um novo ponto turístico e de resgate da história daquele povo – tudo isso proporcionado pelo grafite. Grafites do Memorial Lajedo da Serra, em Dona Inês, têm inspirações em xilogravuras e usa como referência o cordel 'Dona Inês: Filha de Uma Paixão' Tarcísio Play/Divulgação Vida no lajedo Localizado em uma área de aproximadamente 50 hectares, o lajedo começa a passar por inúmeras resistências a partir da década de 60. Casinhas simples eram construídas em taipas, outras em alvenaria. Tanques para lavar roupas eram feitos de forma caseira e atraíam lavadeiras para o local. "No começo da história da cidade, era uma montanha de pedra, que com um tempo as pessoas aprenderam a cortar para a pavimentação de ruas. Eles faziam suas barracas para apontar suas ferramentas, cortavam as pedras ao redor das barracas, que iam ficando cada vez mais altas, formando verdadeiras ilhas de pedra", conta Tarcísio. A cidade começou a se desenvolver por conta da exploração do lajedo, mas a área também começou a sofrer por conta dessa exploração irreversível. “Daqui saia daqui em média oito, dez caminhões por dia. Em média trezentas pessoas explorando esse lajedo. Imagina!”, pontua o cordelista Mariano. Dona Inês, Filha de uma Paixão A história da cidade, assim como muitas do interior da Paraíba, é contada e narrada oralmente – nunca de forma oficial. E tudo começou no lajedo. Dona Inês, no Brejo da Paraíba Divulgação/Rota Cultural Raízes do Brejo "Desde a minha infância, narra que os vaqueiros das cidades circunvizinhas, em busca de gados desgarrados, avistaram uma cortina de fumaça, uma torre de fumaça. E se aproximando daquela localidade encontraram um casal: uma senhora branca, bem-vestida, e um homem negro. Então, ela dizia que era do estado vizinho de Pernambuco e havia fugido com aquele rapaz para ele ser alforriado do engenho do seu pai", relata Mariano. Os vaqueiros, retornando à sua fazendo de origem avisam ao patrão que haviam encontrado na Serra de Dona Inês – nome da mulher que o grupo encontrou e que fugiu com seu amado, para conseguir a liberdade dele em um destino desconhecido. A partir desse conto, a região passou a ser conhecida como Serra de Dona Inês. Quando a cidade passou a ser o município, o topômetro de Serra foi retirado e o local virou simplesmente Dona Inês. Cordelista apaixonado pela cidade, Mariano já fez outros cordéis sobre as belezas de sua terra e seus atrativos turísticos. Em 2015, com a publicação de 'Dona Inês, Filha de uma Paixão', obra que conta o mito de origem da cidade, o artista ficou mais conhecido. Cordel 'Dona Inês: Filha de Uma Paixão', de Mariano Ferreira da Costa; obra conta o mito histórico que originou a cidade Mariano Ferreira da Costa/Divulgação Engajado com o turismo local, Mariano já conhecia o trabalho de Tarcísio. Como é impossível desvencilhar a história da cidade do lajedo, pensou em homenagear as inúmeras famílias que viviam ali na simplicidade, mas também na pureza e beleza das pedras. Assim, eles resgatavam também a memória das pessoas que foram retiradas à medida que a exploração do rochedo crescia. O prefeito da cidade topou e assim nasceu o Memorial Lajedo da Serra. "O brilho da arte que o pincel e a pistola do Tarcísio Play leva uma beleza ao local, mostrando que é possível também transformar aquele lajedo em uma grande galeria a céu aberto. Uma galeria onde a história dos nossos antepassados e também de familiares de pessoas que trabalham no lajedo possam ser contadas", destaca o cordelista. Memorial Lajedo da Serra, em Dona inês, PB, reúne várias peças diferentes de grafite ao longo do lajedo Tarcíso Play/Divulgação Seis meses de trabalho Tarcísio Play pinta desde pequeno. Ele começou com o pincel e guache, desenhando paisagens. Foi quando viu na televisão os murais do artista de rua Eduardo Kobra que comprou um pequeno compressor e uma pistola de pintura. "Sempre tive vontade de um dia mostrar minha arte e fui desenhando até hoje em comércios, escolas, pedreiras... em todo lugar", afirma. Quando Mariano entrou em contato sobre o projeto, ele logo ficou animado e começou a buscar nos cordéis a inspiração. O Memorial Lajedo da Serra demorou seis meses para ficar pronto e tudo foi feito sem guindaste: o artista escalava as pedras e enquanto uma mão segurava na rocha, a outra pintava. E não foi uma tarefa fácil. Ele relata muitos contratempos, como chuvas, as rochas que são íngremes e os próprios trabalhadores da pedreira, que não aceitavam nem um pouco a ideia de uma pintura no lugar onde se corta pedras. Memorial Lajedo da Serra, em Dona Inês, PB, demorou seis meses para ficar pronto e grafites na rocha conta a história da cidade Tarcísio Play/Divulgação Apesar disso, Tarcísio conseguiu realizar o seu sonho. O resultado é um casamento da arte popular, um cordel e um grafite, para contar a história de vaqueiros, lapidários, agricultores, lavadeiras de roupas que levaram vida e memória para uma ilha de pedra. "O lajedo passa a ser esse pergaminho rochoso, já que a gente não tem a técnica que os egípcios tinham para escrever, a gente usa a arte de Tarcísio Play. O lajedo que no passado foi o esconderijo e o berço de um grande amor, hoje é a galeria do nosso artista popular!", salienta o cordelista Mariano. Já para o grafiteiro, o objetivo maior de mostrar e deixar marcas de sua arte no mundo já foi concretizado. Apesar disso, o Memorial Lajedo da Serra segue sendo obra uma constantemente obra viva. "Ainda tem umas pedras lá pra fazer mais painéis. Ali ainda tem muita história", garante Tarcísio. Vídeos mais assistidos do g1 Paraíba
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