Tributação de offshores pode causar fuga de “super-ricos” e perda de arrecadação de até R$ 13 bi, diz CLP
Um levantamento realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) sugere que a aprovação do Projeto de Lei 4.173/23, que altera a forma de tributação dos investimentos no exterior, poderá resultar na fuga de “super-ricos” do País – e, consequentemente, numa redução da arrecadação de impostos, no lugar de um aumento, como pretende o governo.
Também conhecido como “PL das offshores”, o projeto chegou ao Congresso Nacional no dia 29 de agosto, tramita em regime de urgência e é uma das prioridades da agenda da equipe econômica. Ele cria uma tabela unificada para a cobrança de imposto sobre rendimentos de aplicações financeiras de pessoas físicas no exterior e os lucros gerados por controladas, com alíquotas que vão de zero (para ganhos anuais até R$ 6 mil) a 22,5% (ganhos anuais que superarem R$ 50 mil).
“Quando os poupadores são tributados, há uma tendência de retirar recursos da economia produtiva para repor a poupança de curto prazo, geralmente alocada em renda fixa”, argumenta a nota técnica do CLP, assinada pelo gerente de inteligência Daniel Duque, o que poderia afetar a liquidez e os investimentos em setores “vitais para o crescimento econômico sustentável e inovação”.
O governo, por sua vez, argumenta que a proposta procura corrigir distorções e aproximar o sistema tributário brasileiro do de outros países desenvolvidos.
Embora já houvesse previsão de tributação, no Brasil, dos investimentos realizados no exterior, o PL das offshores amplia o escopo de iniciativas anteriores – portanto, pode ser interpretado como um aumento na tributação sobre o capital com a consequente redução na renda disponível, segundo o CLP.
A entidade argumenta que, em função disso, a aprovação do projeto poderia aprofundar a tendência de saída de brasileiros – especialmente os mais ricos – do País, com potencial para reduzir ou até mesmo reverter o aumento de arrecadação esperado pelo governo com a tributação dos investimentos no exterior.
O Ministério da Fazenda estima que a arrecadação poderia ter um incremento de R$ 3,25 bilhões em 2023 com a tributação dos investimentos no exterior, de R$ 3,59 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.
Estudos realizados em países desenvolvidos com públicos específicos – como jogadores de futebol, inventores e o 1% mais ricos de algumas regiões – e compilados pela entidade sugerem que pode variar de 2% a 15% a quantidade de pessoas que migram internacionalmente como uma resposta a um aumento de impostos sobre a renda pessoal.
Com base nisso, o CLP calculou qual seria a perda de arrecadação se diferentes parcelas do 1% mais ricos do Brasil, que somam aproximadamente R$ 9 trilhões, decidissem deixar o País em reação à aprovação do PL das offshores – que tenderia a afetar a renda desse grupo, que já mantém parte do patrimônio no exterior.
Se 3% do 1% mais ricos tomassem essa decisão, a perda de arrecadação estimada seria de R$ 4 bilhões por ano. “Uma migração de 5% do 1% mais ricos (cerca de 100 mil habitantes) já levaria a uma perda de arrecadação equivalente ao aumento estimado pelo governo até 2025 [com a aprovação do projeto]”, somando R$ 6,75 bilhões, aponta o levantamento.
Num caso extremo, de migração de 10% desse público, a perda chegaria a R$ 13,5 bilhões por ano.
O CLP argumenta que, paralelamente às iniciativas de aumento da receita, o governo também deveria adotar medidas de controle e eficiência do gasto público.
O que está em jogo
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), designou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) como relator do PL das offshores. Há a expectativa de que ele seja votado nessa semana.
No caso de investimentos diretos, o texto mantém o chamado regime de caixa (em que o imposto é recolhido apenas no momento do resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação das aplicações), mas a declaração passa a ser anual.
As “offshores” são o ponto central da proposta, tanto do ponto de vista regulatório quanto como fonte de arrecadação. Para contribuintes que usam essas estruturas, o texto prevê substituição do regime de caixa para o chamado regime de competência (em que os lucros passam a ser tributados anualmente, mesmo se mantidos pela controlada no exterior).
O texto também regulamenta os “trusts”, que são uma ferramenta contratual sofisticada muito usada no exterior para a organização do patrimônio e da sucessão por famílias de alta renda. Pelo dispositivo, eles passam a ser considerados entidades transparentes, com necessidade de declaração pelos titulares.
O governo argumenta que o PL corrige distorções da tributação brasileira – mas mesmo assim, vem acatando algumas sugestões de mudanças na proposta.
Um exemplo envolve a presença de ativos ilíquidos – como participações em startups, por exemplo – na carteira de “offshores” mantidas por brasileiros. A equipe econômica do governo atendeu um pedido para que, nesses casos, fosse mantida a regra de apuração pelo regime de caixa em vez do regime de competência, para evitar distorções devido à falta de liquidez no mercado.
Outra sugestão acatada pela pasta envolve a possibilidade de pessoas físicas compensarem perdas financeiras apuradas com ganhos da mesma natureza no exterior, aproximando ao que existe de regras no mercado doméstico sobre o assunto.
Fora isso, o PL ainda traz a opção para o contribuinte atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 (na medida provisória original, a atualização ia apenas até dezembro de 2022), tributando a diferença por uma alíquota favorecida de 10%. Neste caso, o imposto deverá ser pago até 31 de maio de 2024.
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