Revista NORDESTE: Ricardo Galvão concece entrevista e explana os novos desafios da Ciência e Tecnologia no país

A edição 199 da Revista NORDESTE traz entrevista exclusiva com Ricardo Galvão, presidente do CNPQ. À publicação, ele avalia conjuntura, identifica universidades como vetor do conhecimento e cita professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque.

 

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Por Walter Santos

 

 

 

O presidente do CNPQ, Ricardo Galvão, estudioso e professor reconhecido internacional, convive com a atual conjuntura focado em desenvolver políticas públicas para fortalecer a ciência e tecnologia de forma consistente e continuada. Ele prevê maior conflito entre EUA e China no âmbito da área de TI mas defende que o Brasil não se envolva em defesa de alguma parte. Ele destacou a história do professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque.

 

 

 

Revista NORDESTE – O mundo como realidade global convive com cenas a projetar futuro universal à base multipolar, portanto, sem o confronto bipolar entre Ocidente e Oriente da atualidade. Na sua opinião, como isso tudo interfere na ciência e tecnologia do Brasil, país de base ocidental?

 

Ricardo Galvão – Embora inicialmente a ciência brasileira tenha sido fortemente influenciada pela colaboração com países ocidentais, primeiramente França e Inglaterra, no final do século dezenove e início do século vinte, e depois Alemanha, Estados Unidos e Itália, nos últimos quarenta anos foi gradualmente alargando suas colaborações internacionais. Por exemplo, cientistas indianos desempenharam um importante papel na criação e consolidação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, físicos argentinos deram importante contribuição para o desenvolvimento da física de fronteira no país e a colaboração Brasil-China para desenvolvimento de satélites de observação da Terra, que completou 30 anos em 2018, é considerado pela UNOOSA (United Nations Office for Outer Space Affairs) um exemplo paradigmático de sucesso na colaboração científica Sul-Sul. Portanto temos bons exemplos de colaborações exitosas multipolares que certamente deverão ser expandidas neste novo cenário multipolar que está se configurando.

 

NORDESTE – Vivemos entre efeitos da Hawei x Vale do Sicílio com vitória estratégica dos chineses sobre os americanos via 5G. Que efeitos tudo isso têm no futuro do nosso País e como investir para melhorar nosso ranking?

 

Ricardo Galvão – Creio que essa polarização China – Estados Unidos vai intensificar nos próximos anos e não devemos tomar partido, mas sim escolher nossas colaborações de acordo com nossas prioridades estratégicas. O próprio Estados Unidos já se conscientizou do erro que levou à concentração da produção tecnológica de ponta na China, devido a uma visão economicista míope das grandes empresas americanas. E reagiu com o lançamento do Chips and Science Act, pelo Governo Biden. Diante do novo cenário da economia do conhecimento, não teremos desenvolvimento sustentável e socialmente justo sem políticas públicas estratégicas fortemente baseadas no avanço científico e tecnológico de nosso país.

 

NORDESTE – E então, o que aguardar ?

 

Ricardo Galvão – Por isso, para melhorar nossa posição no cenário internacional, temos que concentrar esforços no aprimoramento de nosso sistema de CT&I, não somente garantindo os recursos necessários, orçamentários e de pessoal, para um avanço robusto da ciência feita no país, mas também utilizando plenamente o novo Marco Legal de Ciência e Tecnologia para promover e fortalecer a interação entre instituições de ciência e tecnologia e empresas. A neo-industrialização advogada pelo governo tem que estar fortemente voltada à inovação acionada pela ciência.

 

 

NORDESTE – O Sr com a condição de líder do CNPQ, qual sua avaliação sobre o nível brasileiro na ciência e tecnologia atual diante da conjuntura global?

 

Ricardo Galvão – Gosto de dizer que nossa ciência tem um nível bastante alto, mas pouca profundidade. Ou seja, produzimos resultados científicos na fronteira do conhecimento, em várias áreas, que são respeitados internacionalmente. Mas não temos capacidade de produzir no país a instrumentação científica necessária para realização de nossos experimentos. Ou seja, não somente a maior parte do que produzimos cientificamente não se reverte em inovação tecnológica em nossas empresas, como também temos capacidade insuficiente de produzir os equipamentos utilizados internacionalmente na ciência de fronteira. E a interação entre ciência e tecnologia é uma via dupla, muitas vezes descobertas científicas promoveram avanços tecnológicos e outras vezes avanços tecnológicos permitiram novas descobertas científicas. Portanto, sob este ponto de vista, ainda temos muito a desenvolver no país para colocar nossa ciência na vanguarda internacional.

 

NORDESTE – No seu entendimento, quais os mais fortes desafios da nossa ciência de agora em diante com a força da IA na vida nacional e global?

 

Ricardo Galvão –  Não tenho uma avaliação consolidada sobre o efeito da IA. Muito tem saído na imprensa, mas creio ter visto mais especulações sensacionalistas do que análises mais profundas e racionais.

 

NORDESTE – O Brasil viveu nos últimos tempos uma série de políticas de retrocessos a estimular o desmatamento e políticas de degradação. Qual a realidade comparativa e comprovada de agora?

 

Ricardo Galvão –  De 2004 a 2012, aproximadamente, o Brasil foi uma referência internacional na questão de monitoramento e combate ao desmatamento em nossas grandes florestas, mesmo com o avanço de uma parcela do agronegócio que tem uma visão capitalista predatória. O sistema PRODES de monitoramento do desmatamento da Amazônia, desenvolvido pelo INPE a partir de 1988, é considerado talvez a melhor série histórica do monitoramento do desmatamento em florestas tropicais em todo o mundo. Infelizmente, a partir de 2014, o desmatamento na Amazônia, e também no Cerrado, retornou a aumentar, especialmente no último governo. Mas, felizmente, desde janeiro deste ano o Governo conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em cerca de 33%. Infelizmente no Cerrado continua a aumentar; mas o Governo está tomando as medidas corretas para coibir a degradação deste bioma importantíssimo para nossos rios centrais.

 

NORDESTE – O que representa a base de reprodução da estrutura de TI dos 9 estados para fortalecer a futura fase do segmento nacional?

 

Ricardo Galvão – Não estou familiarizado com esta base e, portanto, não tenho condições de responder esta pergunta.

 

NORDESTE – o que o futuro reserva à ciência e tecnologia do Brasil diante das disputas mercadológicas pelo conhecimento? Qual o papel de nossas universidades?

 

Ricardo Galvão – Nossas universidades são essenciais para a formação de pessoal qualificado, para elevar o nível de “alfabetização científica” de nossa sociedade, e para promover pesquisas básicas e aplicadas. A maior parte das “universidades de pesquisa” brasileiras são públicas, com notáveis exceções de algumas universidades confessionais. Julgo que esta é uma característica de destaque de nosso sistema científico. As universidades voltadas ao chamado “mercado do conhecimento” podem existir, mas devem restringir-se à formação de profissionais para o mercado direto e não para a pesquisa científica financiada por recursos públicos.

 

NORDESTE – No seu entendimento, qual a representação estratégica da fase pioneira do professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque na história da ciência e tecnologia do Brasil? O que ele, na sua opinião, representa de legado?

 

Ricardo Galvão –  O Professor Lynaldo Cavalcani desempenhou um papel seminal no avanço e consolidação do sistema de ciência e tecnologia do país. Tinha uma visão pragmática da importância de fazer com que o avanço da ciência brasileira levasse ao avanço da inovação tecnológica do país. Assim, como Presidente do CNPq, de 1980 a 1985, criou o primeiro parque tecnológico do país com incubadora de empresas. Também foi um paladino da criação de secretarias estaduais de ciência e tecnologia. Nós, cientistas brasileiros, devemos muito a pioneiros como o Professor Lynaldo.

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Wallyson

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