Em minoria, Brasil vê com ressalvas ampliação do Brics defendida por China e Rússia
A próxima cúpula do Brics, no final de agosto, em Johanesburgo, terá que resolver uma questão central para o futuro do bloco: a decisão de aceitar novos membros, em um movimento de forte pressão da China e apoiado pela Rússia, mas visto com ressalvas pelo Brasil, que admite estar em minoria na discussão, disseram três fontes com conhecimento das discussões.
O tema vem dominando as conversas preparatórias para a cúpula entre os membros do grupo — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — desde que os chineses pediram que se chegue a um acordo sobre critérios para admissão de mais membros durante a cúpula, que será a primeira presencial desde 2019, ocorrida no Brasil.
Atualmente, cerca de 30 países já declararam interesse em aderir, enquanto 22 apresentaram formalmente suas candidaturas. Entre os candidatos principais hoje, e que mais pressionam pela entrada, estão Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Egito e Etiópia. A Argentina também está entre os candidatos, mas uma das fontes destacou que a insistência do país pode não se manter depois das eleições deste ano, o que é algo a ser observado.
Enquanto China e Rússia veem a ampliação como uma possibilidade de aumento de poder político no cenário global, o governo brasileiro teme uma diluição da influência do bloco.
“Uma ampliação pode transformar o bloco em outra coisa. A posição do Brasil tem sido se preocupar com a coesão do grupo com alguma preservação do nosso espaço em um grupo de países importantes”, disse à Reuters uma das fontes envolvidas nessa negociação.
Outras duas fontes do governo que participam das conversas, inclusive viajando para encontros preparatórios em Johanesburgo, corroboraram a mesma posição brasileira.
Não se espera que a cúpula termine com a decisão pela incorporação de novos países, apesar de nomes já estarem circulando. A decisão foi por uma discussão para estabelecer critérios e princípios, mas o governo brasileiro admite que está em uma posição minoritária.
A China sempre foi uma defensora ferrenha da ampliação do bloco, e a pressão aumentou recentemente por questões geopolíticas, com o crescimento da disputa comercial entre Estados Unidos e o país asiático, que terminou por envolver também os europeus.
Em uma resposta escrita à Reuters, o governo chinês afirmou que desde sua criação os Brics se transformaram em uma “força positiva, estável e construtiva nos temas internacionais” e confirmou que defende novas adesões em breve.
“A China sempre advogou que o Brics é um mecanismo aberto e tolerante, e apoia a expansão de seus membros, e dá as boas-vindas a novos membros com os mesmos princípios para se unirem a ‘família Brics’ brevemente”, afirmou.
Já a Rússia, que era contrária à ampliação, mudou de posição, também por uma necessidade de se contrapor ao G7 e ter mais aliados em meio à invasão da Ucrânia.
Nesta terça-feira, um porta-voz do governo russo confirmou que esse será o tema central da cúpula, da qual o presidente Vladimir Putin não participará, já que há pedidos internacionais de prisão contra ele.
“Esse é um tópico muito importante. Nós vemos mais e mais países declarando seu desejo de se unir ao Brics”, disse o porta-voz do Dmitry Peskov.
A Índia, que também era contrária, passou a defender novos membros no último mês, de acordo com diplomatas brasileiros, o que deixaria o Brasil em uma posição minoritária. No entanto, uma fonte do governo indiano afirmou à Reuters que o país ainda tem reservas em relação à expansão. “Se isso acontecer, tem que acontecer através de consenso”, disse, acrescentando que o país sempre defendeu uma política consistente para novos membros.
Decisão por consenso
O que se tenta agora é chegar em um acordo sobre critérios. O governo brasileiro defende que o processo seja gradual e com equilíbrio regional, e que se preserve de alguma forma o espaço dos membros originais.
A proposta é que novos integrantes sejam admitidos como países parceiros, e não membros plenos, como é feito em outras organizações. Os parceiros participariam das cúpulas, mas algumas ações do bloco, hoje em andamento, seriam limitadas. Seria uma forma de experimentar sem desfigurar o bloco e sem trazer o engessamento que um grande aumento poderia causar.
Uma proposta da África do Sul aponta Arábia, Emirados, Egito e Indonésia como os primeiros candidatos, mas o Brasil vê aí também uma distorção regional.
Representante da África do Sul no Brics, Anil Sooklal destacou que o princípio que guia as negociações no bloco é o consenso. “Se não tem consenso não tem acordo”, disse.
Com uma posição quase isolada hoje, dificilmente o Brasil terá chance de sair vitorioso e os próximos anos devem ver uma ampliação do bloco, criado formalmente em 2006 com uma reunião de chanceleres — na época, apenas como Bric, ainda sem a África do Sul, que ingressou em 2011.
Com a necessidade de consenso, o formato da tomada de decisões permitiria ao Brasil barrar algo que o desagrade, mas essa não é a tônica da diplomacia brasileira, diz uma das fontes.
“A gente vai ter que ceder em algum momento porque a gente é realista e o Brasil negocia, não é da nossa índole barrar. Mas provavelmente vai ser ruim e a gente vai ter que construir outros espaços internacionais”, disse a fonte.
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