Disputa entre Câmara e Senado “trava” 5 medidas provisórias de Lula e desafia articulação política do governo

Lula Lira Pacheco

Quem viu o Congresso Nacional aprovar as primeiras medidas provisórias editadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas últimas semanas pode até ter imaginado a retomada da normalidade na tramitação desse tipo de matéria e a superação da disputa entre Câmara dos Deputados e Senado Federal em torno do rito adotado.

Mas um novo balde de água fria para o Palácio do Planalto veio ontem (13), com o adiamento das reuniões de instalação de 5 comissões mistas que seriam instaladas para analisar MPVs editadas entre 28 de abril e 15 de maio. São elas:

1) MPV 1170/2023: Altera a remuneração de servidores e de empregados públicos do Poder Executivo federal.

O texto fala em aumento de 9% nos vencimentos dos servidores e empregados públicos federais civis da administração pública direta, autárquica e fundacional, pertencentes aos planos, carreiras, cargos efetivos e empregos públicos, além de ocupantes de cargos em comissão, funções de confiança, funções comissionadas de natureza técnica e equivalentes, bem como de cargos de natureza especial. Os reajustes estão em vigor desde 1º de maio.

A medida provisória está em seu 47º dia de tramitação e o prazo de apresentação de emendas por congressistas está encerrado. De acordo com informações do Congresso Nacional, todos os senadores titulares da comissão já foram indicados pelas lideranças partidárias. Um assento de deputado ainda está vago, a ser definido pelo maior bloco da Câmara (União Brasil, PP, Federação PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota).

2) MPV 1171/2023: Dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior; cria janela para atualização do valor de bens e direitos fora do país; e altera os valores da faixa de isenção da tabela mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.

O texto atualiza em 10,9% a faixa de isenção do IRPF, de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00, após 8 anos sem alterações. Como forma de compensação dos impactos fiscais previstos e sob a alegação de correção de distorções no sistema tributário vigente, altera a estrutura de tributação da renda aferida por pessoas físicas residentes no país em aplicações financeiras feitas no exterior.

A MPV unifica a tabela do imposto cobrado sobre aplicações no exterior (antes dividida entre renda e ganhos de capital), altera do regime de “caixa” para de “competência” a regra de tributação em casos de empresas controladas no exterior (“offshores”), evitando o diferimento por longos períodos. Leia mais sobre a matéria clicando aqui.

A medida provisória está em seu 45º dia de tramitação e o prazo de apresentação de emendas por congressistas está encerrado. De acordo com informações do Congresso Nacional, um senador titular ainda resta ser indicado pelo bloco Resistência Democrática (PSB, PT, PSD, REDE). Também estão vagos dois assentos para deputados: um do PL e outro do maior bloco da Câmara (União Brasil, PP, Federação PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota).

3) MPV 1172/2023: Dispõe sobre o valor do salário mínimo. Pelo texto, o valor passou para R$ 1.320,00 a partir de 1º de maio de 2023. Já o valor mínimo equivalente por dia e hora trabalhada foi fixado em R$ 44,00 e R$ 6,00, respectivamente.

A medida provisória está em seu 44º dia de tramitação e o prazo de apresentação de emendas por congressistas está encerrado. De acordo com informações do Congresso Nacional, todos os senadores titulares da comissão já foram indicados pelas lideranças partidárias. Um assento de deputado ainda está vago, a ser definido pelo maior bloco da Câmara (União Brasil, PP, Federação PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota).

4) MPV 1173/2023: Altera o prazo para regulamentar medidas no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). O texto busca possibilitar que o Poder Executivo regulamente a portabilidade, a interoperabilidade e a operacionalização dos serviços de pagamento dos programas de alimentação do trabalhador.

O governo alega que a aprovação do dispositivo de prorrogação permitirá às pastas competentes realizar análises técnicas acerca do assunto, inclusive com participação da sociedade civil, para regulamentar a matéria.

A medida provisória está em seu 44º dia de tramitação e o prazo de apresentação de emendas por congressistas está encerrado. De acordo com informações do Congresso Nacional, todos os senadores e deputados titulares da comissão já foram indicados pelas lideranças partidárias.

5) MPV 1174/2023: Institui o Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica.

O texto tem como objetivo permitir, por meio uma pactuação ampla e interfederativa, a constituição de um arcabouço normativo para o enfrentamento das obras paralisadas e inacabadas na educação básica realizadas no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR), sob o guarda-chuva do Ministério da Educação.

A medida provisória está em seu 30º dia de tramitação e o prazo de apresentação de emendas por congressistas está encerrado. De acordo com informações do Congresso Nacional, um senador titular ainda resta ser indicado pelo bloco Resistência Democrática (PSB, PT, PSD, REDE). Também está vago um assento para deputados do maior bloco da Câmara (União Brasil, PP, Federação PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota).

Procrastinando

Em meio ao impasse entre as duas casas legislativas, as instalações das 5 comissões mistas foram adiadas para a próxima quarta-feira (21) − mesma data em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal deve sabatinar o advogado Cristiano Zanin, indicado por Lula para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Com a esperada mobilização dos senadores para a reunião com Zanin e possível votação de sua indicação para a Corte na própria comissão e no plenário, há riscos de as instalações dos colegiados sofrerem mais um adiamento.

Apesar de o sistema do parlamento informar que a maior parte dos assentos dos 5 colegiados estarem devidamente ocupados por deputados e senadores, nem todos os nomes foram efetivamente apresentados pelas lideranças das bancadas da Câmara dos Deputados.

Nos bastidores, há uma avaliação de que não há disposição do presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em negociar uma possível mudança no rito da tramitação das MPVs e que, caso não haja indicação formal dos deputados que integrarão os colegiados, ele mesmo poderá indicar os líderes.

Além do início formal dos trabalhos, é na reunião de instalação em que os integrantes da comissão escolhem presidente, vice-presidente, relator e relator revisor.

Pela regra há uma alternância de posições entre deputados e senadores: em um colegiado presidido por senador, a relatoria costuma ficar com deputado, e vice-versa. Mas mesmo a decisão de qual comissão terá relator um deputado ou senador também têm sido objeto de disputa entre as Casas.

Queda de braço

Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em alegadas situações de relevância e urgência. Elas produzem efeitos jurídicos imediatos a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU) − salvo quando há indicações de prazos diversos no próprio texto ou exigências legais de períodos de carência, como no caso de noventenas envolvendo a cobrança de tributos.

As MPVs, no entanto, precisam de posterior apreciação pelo Congresso Nacional, dentro do prazo máximo de 120 dias, para se converterem definitivamente em leis ordinárias. Do contrário, perdem validade (“caducam”, no jargão político), exigindo que o parlamento decida, por decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas durante o período de vigência das normas,

O regimento comum do Congresso Nacional determina que, nas 48 horas que se seguirem à publicação, no Diário Oficial da União (DOU), de Medida Provisória adotada pelo Presidente da República, a presidência da mesa diretora do parlamento designará uma comissão mista, formada 12 deputados federais, 12 senadores e iguais quantitativos de suplentes (além de 1 vaga adicional destinada às minorias), para emitir parecer sobre ela. Os nomes que comporão os colegiados são indicados pelos líderes, sempre obedecendo a proporcionalidade dos partidos ou blocos em cada casa legislativa.

Seria apenas após a votação de parecer na comissão mista que a matéria passaria a tramitar no plenário de cada casa legislativa, começando pela Câmara dos Deputados e encerrando análise no Senado Federal.

Tal rito regular para análise de MPVs foi suspenso durante a pandemia de Covid-19, sendo criado um regime excepcional para a tramitação dessas matérias, com discussão e deliberação diretamente nos plenários. Na prática, isso deu maior poder para os presidentes das casas legislativas (sobretudo no caso da Câmara dos Deputados, como casa iniciadora), que tinham mais condições de indicar relatorias e ter mais controle sobre o processo legislativo.

Com o abrandamento da crise sanitária, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinou a retomada do rito original, apoiado por senadores diante da percepção de maior proporcionalidade e protagonismo daquela casa no modelo antigo em comparação com aquele excepcional. Mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não aceitou e passou a defender a discussão de um novo rito das MPVs que respeitasse o fato de haver muito mais deputados federais (513) do que senadores (81) no parlamento brasileiro.

Criou-se um impasse que, por semanas, obstruiu o avanço de todas as medidas provisórias pendentes de análise do Congresso Nacional arrastando o governo para a crise. Um acordo pontual permitiu que Pacheco enviasse à Câmara 13 MPVs de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) − portanto, mais próximas de caducar − para que elas pudessem ser apreciadas pelos deputados e posteriormente pelos senadores. Delas, 10 foram encaminhadas à sanção presidencial ou já convertidas em lei, com redações finais envolvendo acordos com a atual administração. Uma delas foi judicializada.

Foi apenas há duas semanas, no limite do prazo de validade, que Lula conseguiu a aprovação de sua primeira medida provisória no Congresso Nacional. A MPV 1.154/2023 tratava da organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios e sofreu importantes alterações durante sua tramitação, em outro sinal de dificuldades para o governo no parlamento.

Depois desta, também foram aprovadas as MPVs que tratavam do novo Bolsa Família e a volta do programa Minha Casa Minha Vida − em ambos os casos também às vésperas de as matérias “caducarem”.

Nos bastidores, a avaliação de parlamentares é que o “estica e puxa” entre Câmara e Senado deve continuar. Como consequência, o risco é medidas provisórias tramitarem com dificuldades, chegando aos plenários no limite do prazo − aumentando o custo político para aprovação e reduzindo o poder de o governo mitigar danos provocados por mudanças de texto durante a tramitação.

No momento, o governo Lula tem 13 MPVs sob a coordenação de comissões mistas do Congresso Nacional, mas com apenas uma com colegiado em efetivo funcionamento: a MPV 1.167/2023, que trata da prorrogação do prazo de adequação à nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. A matéria está em seu 75º dia de tramitação.

Disputa entre Câmara e Senado “trava” 5 medidas provisórias de Lula e desafia articulação política do governo appeared first on InfoMoney.

Marcos Mortari

Marcos Mortari